Filme de ação
por Bruno CarmeloExistem vários filmes dentro de Praia do Futuro. O início anuncia uma produção punk, com letreiros multicoloridos, trilha sonora eletrônica e imagens de motocicletas correndo pelas dunas. Logo intervém um aspecto romanesco e dramático, com a trilha sonora clássica e divisão em capítulos, marcados por títulos literários. Depois um estilo hermético se impõe. Apesar das elipses e da mudança de tons, a história segue um rumo linear ao contar a história de um salva-vidas que não consegue salvar um turista do afogamento. Depois, transtornado, acompanha o namorado da vítima ao seu país natal, a Alemanha, abandonando a família no Brasil.
Karim Aïnouz sempre demonstrou talento para filmar os corpos de seus atores, mas neste drama, o corpo é o centro dos enquadramentos, único elemento capaz de gerar conflito e fazer a história se desenvolver. A câmera se aproxima dos braços dos salva-vidas, das silhuetas transando, dos cadáveres se afogando, dos braços cobertos por um gesso, das brigas entre os homens. O cineasta oculta todo diálogo supérfluo e qualquer traço de psicologia dos personagens, construindo um filme behaviorista, em que a única compreensão possível para o comportamento dos protagonistas passa pelos gestos e expressões.
Pelo foco na ação, Praia do Futuro é um filme surpreendentemente bruto. Somem as canções meigas de O Abismo Prateado, o pôr do sol gentil de O Céu de Suely, o lirismo de Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo. Aqui, os personagens trepam, não fazem amor; brigam, não discutem. O sexo ocorre sem sedução, a violência surge sem preparação. O roteiro se nega a pegar o espectador pela mão e conduzi-lo ao longo da narrativa. Existem muitas informações ausentes entre os três atos desta trama, e cabe ao espectador supor o que se passa entre elas. Donato (Wagner Moura), Conrad (Clemens Schick) e Ayrton (Jesuíta Barbosa) são homens-bicho, homens ação, impulsivos, grosseiros. E só assim sabem amar.
Com um projeto tão difícil em mãos, os atores adotam posturas diferentes em relação a seus personagens. A preparadora de elenco de Fátima Toledo sempre obteve resultados bastante realistas dos atores, mas neste caso, o peso maior recai ao personagem de Wagner Moura, um homem ambíguo, estranho, incompreensível. Espécie de herói covarde, Donato ganha traços surpreendentemente sisudos pela caracterização do ator, sempre carrancudo. Donato é um herói impenetrável, um homem amoral (e não imoral), que não tem uma expressão apaixonada diante do namorado, nem arrependida diante do irmão, ou triste diante da despedida.
Se a brutalidade do ator se traduz em passividade, no caso de Clemens Schick e principalmente de Jesuíta Barbosa, o aspecto bruto se transforma em atividade. O ator alemão carrega de ternura os momentos em que divide a cena com os dois atores brasileiros. Já Jesuíta Barbosa, no papel do garoto ressentido pelo abandono do irmão, demonstra um talento imenso, roubando a cena no último terço da história com um olhar incrivelmente expressivo e um tom repleto de ira e afeto em cada frase que pronuncia.
De qualquer maneira, Praia do Futuro não adota o olhar de nenhum personagem, não defende o ponto de vista de ninguém. Por este aspecto, o público é mantido à distância da trama, sem a possibilidade de torcer por Donato e Konrad, ou de se emocionar com a trama em tela. O dispositivo da narrativa faz com que a história aconteça apesar do público, e não para ele. Este é certamente um tipo de cinema louvável, por exigir um esforço do espectador e estimular a criatividade dele. Por outro lado, transmite um ar de indiferença, de superioridade.
O caráter frio da direção é acentuado por algumas cenas típicas do “cinema de qualidade” - denominação pejorativa para produções um tanto pomposas, em que reinam hermetismo, incomunicabilidade e uma predominância da estética sobre o roteiro. Cenas como a discussão entre Donato e Konrad no parque, com o enquadramento perfeitamente composto, ou o movimento da câmera através do aquário parecem calculados demais, de uma beleza pouco orgânica.
Muito mais belas e empolgantes são as cenas que não parecem ter sido feitas para impressionar pela plasticidade. A dança dos dois personagens dentro de casa e a briga entre irmãos no hall do elevador são de uma potência impressionante, justamente pelo realismo, pela adequação dos cenários e do enquadramento à ação, e não o contrário. Praia do Futuro funciona muito melhor quando não tenta fazer bonito, quando deixa aflorar seu aspecto mais ríspido e imperfeito.