TEM SPOILERS!
A Maldição de Carrie (The Rage: Carrie 2)
"A Maldição de Carrie" é dirigido por Katt Shea (do filme original Netflix "O Resgate de Ruby", lançado no ano passado) e foi lançado em 1999. O longa é uma sequência do filme de terror "Carrie" de 1976, baseado no romance homônimo de 1974 de Stephen King, e serve como o segundo filme da franquia "Carrie".
Inicialmente o longa-metragem seria intitulado como "The Curse", pois originalmente o filme foi programado para iniciar a produção em 1996 com Emily Bergl sendo a protagonista, porém a produção parou por dois anos. Toda a história tem uma forte base em um incidente da vida real de 1993, no qual um grupo de atletas do ensino médio conhecido como "Spur Posse" se envolveram em um escândalo sexual. O filme acabou entrando em produção em 1998 sob o título "Carrie 2: Say You're Sorry". Após algumas semanas de produção, o diretor Robert Mandel ("Arquivo X" e "Lost") desistiu do cargo devido algumas diferenças criativas e Katt Shea rapidamente assumiu a produção com menos de uma semana para se preparar para começar a filmar e duas semanas de filmagem para refazer.
Em novembro do ano passado eu tive a oportunidade de ler a obra-prima da literatura do mestre Stephen King, "Carrie". O livro é excelente e nos proporciona uma leitura incrível abordo de uma história contemporânea, assustadora, impactante e triunfal. Logo após a leitura eu iniciei a franquia de filmes, obviamente começando pela a obra-prima do Brian De Palma, que na minha opinião é a melhor adaptação do livro da "Carrie" e uma das melhores adaptações de todas as obras publicadas do mestre King. Agora estou de volta na franquia da "Carrie" e vamos dar continuidade com este filme questionável.
"A Maldição de Carrie" foi desenvolvida como uma continuação da obra dos anos 70, até por isso o subtítulo no original é "Carrie 2", ou seja, uma continuação do clássico 23 anos depois. Porém, eu vejo esse filme até mais como um remake/remaster do original do que propriamente uma continuação (sendo bem sincero). De qualquer forma temos aqui mais um caso de uma continuação completamente desnecessária e sem a menor necessidade.
A história do longa segue a meia-irmã mais nova de Carrie White, Rachel Lang (Emily Bergl). Uma jovem que assim como a Carrie também sofre de telecinese, é menosprezada e humilhada na escola, e teve uma infância difícil, pois sua mãe sofria de esquizofrenia e precisou ser internada logo cedo quando ela ainda era uma criança. Rachel tem uma vida difícil em seu dia a dia por ser oprimida e sofrer constantes bullyings por seus colegas da escola, onde o seu único refúgio é estar com sua melhor amiga Lisa (Mena Suvari). Lisa por sua vez acaba se envolvendo com Eric (Zachery Ty Bryan), um rapaz que ela pensava ser uma coisa e no entanto se mostra completamente diferente do que ela esperava, sendo que ele não estava realmente interessado nela e a usou unicamente como uma forma de competição entre os amigos. Lisa não suporta a ideia de ser usada e enganada, o que a leva a cometer suicídio (uma cena bem chocante por sinal). Rachel descobre que o suicídio de sua melhor amiga foi estimulado por um grupo masculino da escola que a exploraram para ganho sexual.
Se pegarmos todo o percurso da história de "A Maldição de Carrie" fica muito nítido que o roteiro se baseou inteiramente na obra do De Palma (até por isso eu classifiquei o filme como um remake). Pois temos a Rachel seguindo os mesmos passos que a Carrie, temos os mesmos bullyings, por ela também ser tachada como a garota estranha e esquisita da escola, e ela também se envolve com um garoto da turma, Jesse (Jason London), onde ela o vê como um alento daquele momento que ela está passando pela perda da sua amiga, e ela acha que ele poderá ajudá-la a superar essa dor.
Quando eu afirmo que "A Maldição de Carrie" é uma continuação que sequer deveria ter existido, é justamente por ser um filme completamente inútil, sem relevância, sem nenhuma importância dentro da história da Carrie, por simplesmente não agregar nada, não somar nada, não mudar absolutamente nada desse universo que já estava eternizado.
Vamos lá: a ideia de construir um enredo onde teríamos o surgimento de uma meia-irmã da Carrie White para compor uma nova história é simplesmente péssimo, uma falta de criatividade e originalidade absurda. Sendo que em nenhum momento eu comprei essa ideia da Rachel ser filha do mesmo pai da Carrie, e até por esse fator ela também possuir poderes telecinéticos.
Outro ponto: a ideia de basear a trama na história real do grupo "Spur Posse" é até aceitável, visto que essa foi uma história bizarra de um grupo de garotos do ensino médio de Lakewood, Califórnia, que usava um sistema de pontos para acompanhar e comparar seus ataques sexuais e estupros estatutários. Realmente a ideia era boa, visto que a história se encaixa perfeitamente naquele cenário adolescente escolar, porém foi mal desenvolvida, onde tudo não passava de um grande besteirol americano, praticamente um "American Pie" (filme que também estreava em 1999).
O próprio título do filme no original e na versão brasileira dá um norte muito melhor para a história do que essa ideia da Rachel ser irmã da Carrie. Pois no original temos "The Rage", algo como a fúria, e na versão brasileira temos "A Maldição de Carrie", algo como uma maldição deixada pela Carrie. Ou seja, acredito que se a história tivesse se desenvolvido dentro desse contexto de uma fúria da Rachel imposta por um tipo de maldição da Carrie seria melhor e mais aceitável, ao invés de optarem em seguir esse caminho frustrante de meia-irmã para justificar os poderes telecinéticos.
Toda proposta do filme em seguir como uma continuação da história da Carrie acaba fracassando e falhando miseravelmente, e muito por não ter nenhum desenvolvimento sobre o enredo em montar e apresentar novos elementos para compor uma sequência, ao contrário, eles usam até onde podem a história deixada lá atrás e não inovam em nenhum quesito. Sem falar na encheção de linguiça sobre os romances, as crises e os dramas adolescentes, soando até como uma comédia romântica, que é totalmente o inverso da proposta do filme. Temos aqui um roteiro preguiçoso, mal desenvolvido, mal planejado, que seria muito melhor se tivessem seguido uma história paralela e sem o comprometimento de dar continuidade ao filme anterior, pois isso colocou um peso e uma carga muito grande em cima desse filme, que obviamente falhou vergonhosamente.
Nada que esteja ruim que não possa piorar!
O roteiro também se utiliza do cenário da jovem esquisita que se envolve com um garoto do grupo, ela se apaixona por ele, transam, e logo depois estas cenas será usadas para expor ela ao ridículo perante todo mundo em uma festa. Esse final de "A Maldição de Carrie" é obviamente inspirado no baile escolar da Carrie, porém, aqui ficou extremamente forçado, onde optaram em colocar cenas cada vez mais sangrentas, um certo gore para impactar o espectador com sequências de mortes bem toscas, que no fim tudo não passou de uma tentativa forçada e falha de impressionar. A própria Sue Snell (Amy Irving), que foi a única sobrevivente do incêndio do baile naquela noite, e aqui ela funciona como uma espécie de psicóloga, até advertido a Rachel sobre seus poderes e o que eles poderiam lhe causar. Sue tem uma morte completamente ridícula, vergonhosa, sério, eu fiquei besta na hora, me recusei a acreditar que realmente escolheram esse final para uma personagem tão icônica como ela. Na boa, se era para reviver a Sue sendo interpretada pela própria Amy Irving e dar este final para ela, seria muito melhor que ela estivesse morrido no baile daquela noite.
A troca na direção no meio da produção resultou em toda essa bagunça que o filme foi transformado. Pois obviamente o próprio Robert Mandel estava em conflitos com os produtores do filme e acabou largando a bomba na mão da Katt Shea. Ela por sua vez além de dar continuidade nas filmagens ainda teve que refazer várias cenas. O longa já começou a dar errado desde a sua pré-produção e o resultado foi esse desastre. Sem falar em alguns efeitos que são bem amadores e não condiz com o orçamento inicial do longa; como na cena em que a Lisa se suicida caindo no para-brisa do carro, ali claramente podemos observar quando a câmera muda de direção que estavam usando uma boneca bem fajuta. Na sequência de mortes da festa, ali também tem cenas que mostra uma cabeça sendo decepada e quando essa cabeça cai no chão é claramente uma cabeça de boneco.
Sobre o elenco não temos muito o que destacar. Salva-se a Emily Bergl e a Amy Irving, pois ambas realmente estão bem em suas respectivas personagens.
Emily Bergl ("Blue Jasmine") consegue uma boa atuação sendo uma garota que teve uma infância traumática com os acontecimentos envolvendo sua mãe, e todo esse trauma cresce junto com ela e hoje é um fardo que ela tem que carregar. Emily consegue nos passar um personagem sofrida, oprima, traumatizada. Já na cena final da festa ela consegue impor o seu momento e buscar aquela doce vingança que ela tanto queria. Gostei da Rachel da Emily Bergl, ela segura bem a personagem e até convence em algumas cenas, porém, nem perto da proporção estratosférica de Sissy Spacek. Por falar nela, Sissy Spacek, que interpretou magistralmente a Carrie White no filme original, chegou a ser convidada para aparecer em uma ponta neste novo filme, mas recusou a oferta. Entretanto, ela aceitou que as cenas em que atuou no primeiro filme fossem utilizadas como flashbacks de Sue Snell.
Já a Amy Irving ("Distúrbio") reprisou o papel de Sue Snell, que ela originou no primeiro filme, embora ela inicialmente estivesse cautelosa em aceitar o papel e pediu a Brian De Palma a sua bênção. Devo dizer que ela fez muito bem a sua personagem de psicóloga da escola, tendo participação direta no desenvolvimento de toda a história (como ao tentar confrontar respostas com a mãe da Rachel). Só lamento aquele seu final deprimente que eu nunca irei aceitar.
Não posso deixar de mencionar a lindíssima Mena Suvari, que deu vida para a melhor amiga da Rachel, Lisa Parker. Mena estava no auge da fama e da beleza em 1999, com apenas 20 aninhos estava fazendo "A Maldição de Carrie", o primeiro "American Pie", sem falar na obra-prima "Beleza Americana", onde ela impactou todo o planeta com a sua maravilhosa e inesquecível Angela Hayes.
"A Maldição de Carrie" traz algumas referências até interessantes: como o nome do asilo de loucos no filme, Arkham, que é uma referência ao famoso asilo de mesmo nome existente nas histórias em quadrinhos do Batman. Aquela referência ao filme "Pânico" (1996) na cena quando toca o telefone. E obviamente as referências ao próprio filme de 1976, como as cenas com flashbacks, e até aquela cena em que a Sue e a Rachel vão até o exato local do baile que foi incendiado.
O longa foi uma decepção de bilheteria na época do lançamento, arrecadando $ 17 milhões contra um orçamento de produção de $ 21 milhões. Além de receber críticas negativas sobre o fracasso do filme em capturar a essência do que tornou o original incrivelmente assustador. Por outro lado, as atuações do elenco foram elogiadas, especialmente a de Emily Bergl, que foi indicada ao Saturn Award e conquistou seguidores cult.
O Rotten Tomatoes relatou que o filme teve uma taxa de aprovação de 20% baseada em 35 críticas com o consenso. No Metacritic, ele teve uma classificação de 42 em uma escala de 0 a 100 com base em 21 avaliações indicando avaliações mistas ou médias. Apesar de toda recepção negativa, o filme tem uma grande base de fãs que o apreciou por sua abordagem moderna da história, foco na caracterização e ser mais uma história de amor trágica do que um terror slasher.
Só me resta finalizar afirmando mais uma vez que o filme "A Maldição de Carrie" sequer deveria ter existido. Pois além de ser uma produção que já começou toda errada, o filme peca em vários pontos; como todo o desenvolvimento da história, do roteiro, dos personagens e principalmente em tentar replicar a cena final do filme original. Sem falar que o longa ainda falha em tentar criar um suspense sem terror, falha como um remake, falha como uma continuação e falha ao recriar a clássica história da obra literária do mestre King sem nenhuma importância ou relevância.
É óbvio que jamais poderíamos esperar um filme no mesmo nível (ou melhor) que o original, até porque a obra-prima do De Palma é um ícone, um marco, uma referência do terror e do suspense no universo cinematográfico até os dias de hoje. [22/03/2023]