Filosofia do tráfico
por Bruno CarmeloJulgando pelo trailer e pela sinopse, é possível pensar que O Conselheiro do Crime gira em torno de um grande esquema de tráfico de drogas, e que nossa ciranda de astros hollywoodianos (Michael Fassbender, Brad Pitt, Javier Bardem, Penélope Cruz e Cameron Diaz) está diretamente envolvida com o esquema. Este suspense poderia ser um daqueles filmes de assalto a banco ou a cassino, por exemplo, no qual os ladrões têm um plano detalhado e arriscado, e o espectador assiste ao grupo tentando colocar em execução cada etapa, com todos os riscos que isso comporta. A tensão, para o público, nasceria do medo de o plano dar errado.
Mas este não é o caso deste filme. Durante a primeira metade da projeção, vemos nossos personagens sentados e conversando sobre um plano, sempre de dois em dois: seja o advogado (Fassbender) com um traficante excêntrico (Bardem), seja o advogado com um intermediário (Pitt), seja a noiva do advogado (Cruz) e a namorada do tal traficante excêntrico (Diaz). Lá pelo meio da narrativa, o plano é executado, rapidamente e sem a participação direta de nenhum deles - nunca se sabe exatamente o papel de cada um no esquema, aliás - e depois eles voltam a sentar e conversar, de dois em dois, sobre as consequências do que fizeram. 90% do roteiro é composto por diálogos entre pessoas sentadas em cafés, mansões, presídios, festas e lojas de diamantes. Fala-se muito, sem pressa.
Sobre o que tanto falam os personagens? Principalmente, sobre o ato de se arriscar, sobre as coisas que pomos a perder em cada ação ilegal, sobre a impossibilidade de voltar atrás. O roteirista Cormac McCarthy constrói diálogos que evitam o realismo e preferem as grandes e abstratas frases de efeito. "Quando você desaparecer, este mundo desaparecerá com você", diz um chefe do cartel mexicano, "Se continuar nesse caminho, um dia fará decisões morais que o surpreenderão", diz outro personagem, bêbado durante uma festa. Os traficantes se comunicam com termos belos e reflexões profundas, repletas de malícia e pessimismo. A maioria dos personagens não tem diferença entre si, falando da mesma maneira, entrando e saindo na trama sem alterar o rumo da história. Isso indica que o verdadeiro interesse de O Conselheiro do Crime não é desenvolver os rumos de um grupo de traficantes, e sim usá-los para debater questões como o destino, as concessões morais, o arrependimento etc.
Apesar do elenco chamativo, é difícil pensar que este filme terá o mesmo potencial de público de Onde os Fracos Não Têm Vez (maior sucesso de McCarthy) ou Prometheus (último filme do diretor Ridley Scott). O ritmo é lento e as raras cenas de ação já foram mostradas no trailer. Mas quem for aos cinemas vai se deparar com uma obra realmente atípica dentro dos padrões de Hollwyood, com um roteiro recheado de cinismo e sugestões explícitas de sexo (embora transe-se pouco nesta história). O ritmo e a aparência deste suspense podem ser elementos que decepcionam ou, ao contrário, que o distinguem de tantas outras histórias de tráfico de drogas por aí. As coras são vivas, a direção de arte adota uma paleta kitsch e chamativa, a música aparece poucas vezes, com curiosos tons dissonantes, a montagem faz opções inusitadas de cortes paralelos entre histórias.
Por trás do grande orçamento e dos nomes envolvidos no projeto, existe - voluntariamente ou não - uma aura de filme B em O Conselheiro do Crime. Tudo é feito de maneira exagerada, fora dos padrões de bom gosto da indústria - a prova disso é o final ousado, chocante, provavelmente a conclusão mais hardcore de um filme comercial desde a última cena magistral de Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson. Mesmo o roteiro tem a audácia de abandonar seu personagem principal rumo a desfecho, e eleger como protagonista outra pessoa, mais interessante - o que constitui um dos maiores crimes do cinema segundo os manuais de roteiros clássicos.
Já Cameron Diaz, Michael Fassbender, Brad Pitt, Javier Bardem e Penélope Cruz não se destacam por suas atuações, nem positivamente, nem negativamente, até porque seus personagens importam pouco. Eles são meras peças do tabuleiro, usados para discutir os temas do filme, e descartados quando não são mais necessários. Todos estão exagerados, voluntariamente canastrões (Diaz e Bardem que o digam), combinando com esta atmosfera cafona e excêntrica atribuída ao cenário mexicano. Este é um filme de fetiches - , fetiche do sexo, fetiche do crime, fetiche do México como cidade dos perigos e do dinheiro fácil, mas nenhum desses prazeres se satisfaz. Esta é uma produção niilista, incômoda, por negar aos personagens e ao público os prazeres simples que buscam - dinheiro e sexo no caso dos traficantes, e o desenvolvimento de uma trama de crime comum, no caso de público.
O Conselheiro do Crime é um verdadeiro filme punk. O sucesso de público dependerá de como os espectadores de multiplexes, habituados às histórias previsíveis e recompensas rumo à conclusão, vão se adaptar a tamanha ousadia.