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    O Som ao Redor
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    O Som ao Redor

    A força do silêncio

    por Lucas Salgado

    "O som aniquila a grande beleza do silêncio", disse Charles Chaplin. Grande nome do cinema mudo, o ator e diretor resistiu por muitos anos aderir a técnica da fala por achar que algo se perdia na experiência de se assistir um filme. Se vivo, o eterno Carlito, provavelmente, estaria ainda mais preocupado com a situação do cinema nos dias de hoje. Dos anos 80 para cá, principalmente a partir da criação da MTV, nos deparamos com produções cada vez mais barulhentas e equivocadas do ponto de vista sonoro. Alguns diretores, como o brasileiro Eduardo Coutinho, ainda procuram reforçar a importância do silêncio, mas estão cada vez mais isolados neste mundo de Michael Bays. Felizmente, O Som ao Redor surge carregando esta bandeira, mesmo que não intencionalmente. O filme fala de forma sutil e utiliza o som de forma pouco vista no cinema mundial.

    Aqueles que acompanham o cenário de curtas-metragens no Brasil já tinham voltado seus olhos para Pernambuco há alguns anos. O crítico e jornalista Kleber Mendonça Filho vem desde o início dos anos 2000 produzindo curtas muito interessantes, sempre com algo a dizer. Foi assim com Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e, principalmente, Recife Frio (2009), que arrebatou prêmios por todo mundo e chegou a ser lançado comercialmente em DVD, algo raro no formato. Debutou em longas com o ótimo documentário Crítico (2008), mas só agora se arrisca no cinema de ficção. Com O Som ao Redor, o diretor comprova que é um profissional a ser observado no cinema brasileiro.

    Diante de uma onda de violência, os moradores de uma pacata rua na zona sul do Recife decidem contratar o serviço de seguranças particulares para vigiarem as redondezas. Liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos), os vigilantes assumem posição importante na região, caindo nas graças, inclusive, do misterioso Francisco (Waldemar José Solha), que é uma espécie de coronel dos dias de hoje, contando com inúmeros imóveis na área e exercendo muita influência no bairro. Esta é a premissa principal da produção, mas a verdade é que o filme é muito mais que isso. Mendonça Filho faz um retrato poucas vezes visto da classe média brasileira, destacando personagens que se revoltam, mas que não perdem tempo tomando atitude contra o ato que lhe causou revolta. Isso fica evidente na ótima sequência da reunião de condomínio, em que um morador se diz contra uma demissão para logo em seguida abandonar a reunião por causa de outros compromissos.

    Ao registrar a rotina de inúmeras casas, o diretor tratou também de estudar a relação entre patrão e empregado. É curioso notar como esta relação varia de personagem para personagem. Temos a dona de casa que não precisa de empregada, mas que sofre com a solidão nos momentos em que o marido e os filhos estão fora. Temos o cara boa pinta que conhece a empregada há vários anos e a trata como se fosse de casa. E temos ainda a dondoca que trata mal os funcionários. A dinâmica entre as situações (não entre os personagens) é feita de forma natural, que é favorecida pelo ótimo desempenho de todo elenco. Irandhir Santos, mais uma vez, mostra que é um dos melhores atores do Brasil, mas ele não está sozinho. Gustavo Jahn faz um ótimo trabalho como João, neto de Francisco, enquanto que Maeve Jinkings rouba a cena como Bia, conquistando e entretendo o público em sua rotina de ódio pelo cachorro vizinho.

    Assim como a história, o título O Som ao Redor também diz muito. Não se trata de uma obra sobre crimes elaborados ou sobre relacionamentos individuais. É um filme sobre o que está a nossa volta, sobre ruas cada vez mais vazias e muros cada vez mais altos. Sobre câmeras de segurança, cachorros e, principalmente, pânico. Não o pânico produzido por um grande susto, mas sim aquele que existe diante da certeza permanente que algo de ruim pode acontecer. E no mundo de hoje, isso está nas mentes de adultos e crianças, como bem mostra o longa.

    Além de dirigir e escrever o roteiro, Kleber Mendonça Filho também foi responsável pela montagem (ao lado de João Maria) e pelo desenho de som (ao lado de Simone Dourado). É impressionante como os quatro trabalhos estão totalmente ligados nesta produção. Direção, roteiro e montagem já são coisas que sempre caminharam juntas no cinema, mas aqui o trabalho de som também pode ser considerado um elemento chave na produção. Os efeitos sonoros, a trilha sonora e o design de som são ótimos, mas os elementos que roubam a cena mesmo são a captação e a mixagem. A forma em que vários sons são inseridos em meio aos poucos diálogos é merecedora de aplausos.

    O Som ao Redor não é um filme que precisa gritar para ser ouvido, não precisa de grandes cenas dramáticas para chegar ao seu objetivo ou mesmo para contar uma história. Evolui um relacionamento amoroso para pouco depois dizer que ele terminou sem se dar o trabalho de mostrar o fim ao espectador, que, por incrível que pareça, ainda assim se dará por satisfeito, afinal está claro para ele desde o início de que a vida dos personagens não é o foco da trama, mas sim a rotina de uma comunidade.

    Bonito, divertido, assustador e cativante. O Som ao Redor é um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos. Talvez o mais impressionante desde Cidade de Deus. Celebra o cinema de gênero de John Carpenter ao mesmo tempo em que investe em um tom mais realista. É passado no Recife, no bairro em que o próprio diretor vive, mas também poderia ser passado em qualquer grande cidade do mundo, onde as relações sociais estão cada vez mais marcadas pela paranoia e pela impessoalidade. Não deixe de assistir e escutar o longa.

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