O homem por trás do mito
por Francisco RussoSeu nome é Allan Stewart Konigsberg, mas provavelmente você o conhece como Woody Allen. Responsável por pérolas do porte de A Rosa Púrpura do Cairo e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, criador de dramas e comédias repletos de questões filosóficas que tanto impressionam seus fãs e afastam os detratores. Allen é assim mesmo, um diretor do tipo ame ou odeie - também por isso, jamais foi um grande hit de bilheteria, apesar dos vários prêmios conquistados. É com esta aura de fã assumido que Robert B. Weide foi atrás do diretor para desenvolver este Woody Allen - Um Documentário, um grande painel que não apenas ressalta os altos e baixos do artista mas, acima de tudo, que revela bastante sobre a pessoa.
Produzido para a TV americana e exibido fora de competição no Festival de Cannes 2012, o longa segue a regra básica dos documentários biográficos, com depoimentos de familiares e pessoas com quem trabalhou e muitas imagens de arquivo, além de breves conversas com o próprio homenageado - o que por si só já é um achado, já que Allen não é de conceder muitas entrevistas. Se vê-lo analisando fatos do passado, como seu mau desempenho na escola e até mesmo os relacionamentos amorosos que teve - incluindo a repercussão do rompimento com Mia Farrow -, atende à curiosidade histórica sobre a personalidade, o destaque maior fica por conta dos momentos em que Allen revela sua rotina de trabalho, repleta de características muito particulares. As cenas em que, com uma nítida alegria, apresenta o armário onde guarda as ideias que tem e a máquina de escrever onde sempre inicia seus roteiros revelam muito sobre sua personalidade metódica e obcecada pelo trabalho. São breves vislumbres sobre a pessoa que tão bem explicam o diretor (e ator) que se tornou.
Sem se ater apenas ao lado pessoal, Woody Allen - Um Documentário apresenta também um vasto panorama sobre como foi a carreira do artista. Desde o início, quando ainda no colégio escrevia piadas soltas para jornais, passando por stand-ups e programas de TV até, enfim, chegar ao cinema - e, mesmo dentro de sua fase cinematográfica, esmiuçando sua evolução ao longo de décadas. Trata-se de um trabalho jornalístico minucioso, que inclui muitas imagens de arquivo e entrevistas antigas com nomes importantes na ascensão, como os produtores Charles H. Joffe e Jack Rollins. A análise linear também possibilita uma melhor compreensão de sua carreira como um todo, mais exatamente o quanto a liberdade de expressão e a necessidade de controle eram importantes para que Allen desenvolvesse seu trabalho de forma plena. Tudo isto mesclando várias cenas de seus longa-metragens, é claro.
No fim das contas, Woody Allen - Um Documentário é um filme feito não apenas para fãs do diretor, mas para quem simplesmente gosta de saber mais sobre os bastidores do cinema, pela imensa quantidade de informações sobre suas produções e, é claro, da vida do biografado. As várias fases da carreira de Allen são esmiuçadas, ressaltando o contexto pessoal e do próprio mercado que provocaram tais mudanças. Destaque para as cenas do início de sua carreira, ainda na TV, onde aparece lutando boxe com um canguru e cantando para um cachorro - ambas impagáveis! - e o habitual sarcasmo do diretor, presente especialmente nos comentários feitos sobre a ausência de realidade nos festivais de cinema.
Filme visto no 65º Festival de Cannes, em maio de 2012.