Era uma vez...
por Francisco RussoNa teoria, era o conto de fadas da vida real. Uma das mais populares estrelas de Hollywood, endeusada pelos fãs e dona de um Oscar na estante, se casando com o príncipe de um país mínimo, mas reconhecido mundialmente como ícone do luxo e da riqueza. O casamento de Grace Kelly com o príncipe Rainier III chamou a atenção de boa parte do planeta, em 1956. Afinal de contas, se contos de fadas já encantam no mundo da fantasia, imagina quando surge uma (aparente) chance dele se materializar entre os mortais.
Consciente deste impacto, o diretor Olivier Dahan tomou para si este deslumbramento ingênuo para narrar um episódio marcante da vida de Grace e Rainier. Tudo segundo sua ótica, como revela o alerta inicial de que a história a ser contada é apenas inspirada em eventos reais. E, como acontece em todo conto de fadas, resolveu facilitar as coisas. De um lado, está o príncipe envolvido com sérias questões diplomáticas, que põem em risco a própria existência de Mônaco. Trabalho de homem, especialmente naquela época. Do outro está a princesa, infeliz em seu castelo. Sem ter o que fazer além de cuidar dos filhos, ela recebe a visita da serpente com a maçã proibida, pronta para ser abocanhada. Era Alfred Hitchcock, oferecendo à atriz a chance de voltar aos holofotes em seu próximo filme. Mais do que a fama ou o dinheiro, Grace queria a chance de voltar a se sentir útil, naquilo onde sabia que era competente.
Pausa para parênteses. Por mais que Hitchock seja um diretor merecidamente consagrado, autor de clássicos da história do cinema, chama a atenção este revival em torno dele. Talvez motivado pela escolha de Um Corpo Que Cai como melhor filme de todos os tempos, em 2012, talvez pela imagem icônica que o diretor deixou em seu trabalho, que permite sua fácil identificação. É o que acontece em Grace de Mônaco. Por mais que leve alguns minutos até que alguém o nomeie, é impossível não reconhecê-lo pelo semblante de perfil. Sabendo disso, Dahan espertamente focaliza seus maneirismos para conquistar a simpatia do público. Funciona.
Como o objetivo aqui é retratar um conto de fadas, mesmo com um pé (bem de leve) na realidade, é preciso que haja antagonistas. Charles de Gaule, o presidente francês que deseja invadir Mônaco, é o inimigo perfeito, mas não é suficiente. Para Grace, são dois os vilões: o tédio e a futilidade. Para enfrentá-los, é hora de entrar em cena o velho combate entre o estilo da nobreza europeia e o american way of life. Tudo bem explicadinho, como reza a cartilha do cinemão americano, para que não haja qualquer dualidade nem um final em aberto.
Como já deu para perceber, Grace de Mônaco não é um filme que deseja realmente se aprofundar no relacionamento de Grace Kelly com Rainier. Ele apenas explora personagens famosos em uma trama maniqueísta com um fundo de vida real, para dar credibilidade ao que é exibido. Só que, sob certo aspecto, dá certo. Diante deste mundo de príncipes e princesas, o diretor acerta a mão ao retratar visualmente a opulência típica da nobreza. É claro que as paisagens de Mônaco são um convite e tanto, e Dahan as explora bem, assim como os figurinos requintados em cenários suntuosos. A própria escolha de Nicole Kidman como protagonista ajuda neste sentido, já que é uma integrante da realeza de Hollywood representando um ícone de sua aristocracia, ampliando a percepção de autenticidade por parte do espectador.
Por outro lado, Grace de Mônaco derrapa – às vezes feio – na narrativa novelesca, sempre pontuada por uma trilha sonora nitidamente manipuladora. E dá-lhe close no rosto de Nicole para ressaltar a emoção de momento, dá-lhe reviravoltas conspiratórias, dá-lhe briga de casal com direito a cena de copo quebrado no chão, para ressaltar o quão grave é a crise. Tudo artifício que você já viu inúmeras vezes, em novelas brasileiras e mexicanas, com o objetivo de capturar sua atenção da forma mais óbvia possível.
No fim das contas, Grace de Mônaco acaba sendo um bolo lindamente enfeitado cujo recheio não é tão saboroso assim. Dahan quis tanto fazer um conto de fadas visualmente belo que se esqueceu de dar a ele algo tão importante quanto: consistência.