Era uma vez os efeitos especiais
por Bruno CarmeloA experiência de assistir a Malévola é bastante curiosa. Por um lado, esta ainda é a história bem conhecida da Bela Adormecida, com os mesmos elementos consagrados (maldição da vilã, dedo espetado, sono da princesa, beijo salvador). Por outro lado, a fábula nunca tinha sido vista dessa maneira, com um festival de imagens digitais, efeitos sonoros e espetáculo pirotécnico. Esta é mesmo uma versão moderna da história, como anunciaram os produtores, mas a forma está mais modernizada do que o conteúdo.
É sintomático que tenha sido escolhido para a direção não um cineasta confirmado, e sim um perito em efeitos visuais. Robert Stromberg não tem pudores em usar o máximo possível de imagens computadorizadas, criando seres fantásticos, fadas iluminadas, dragões gigantescos. Os US$200 milhões de orçamento estão bem visíveis em tela, assim como o uso muito profissional do 3D, empregado tanto para conferir maior profundidade às imagens quanto para arremessar objetos e personagens alados em direção à plateia.
Algumas cenas, como a muralha de espinhos e a levitação da princesa são realmente impressionantes. Outras cenas, como os planos aéreos da floresta e dos seres coloridos, são de fato grandiosos, mas não muito diferentes da fauna e flora fantásticas já vistas em Oz, Mágico e Poderoso, Alice no País das Maravilhas e Avatar, por exemplo. Talvez fique a sensação incômoda de assistir a uma produção em que 90% das cenas foi filmada sobre uma tela verde. Mas é verdade que muitos espectadores vão enxergar no excesso visual um banquete de luzes e cores digno do investimento feito no ingresso (sobretudo em 3D).
Atenção: possíveis spoilers abaixo!
De resto, a moral por trás da Bela Adormecida permanece a mesma, com poucas alterações significativas. Uma única mudança notável é a hesitação do príncipe em beijar a princesa adormecida, por tê-la visto apenas vez. A prudência em relação ao romance e a recusa do amor à primeira vista também estavam presentes em outro filme contemporâneo da Disney, Frozen - Uma Aventura Congelante, e parece representar o discurso politicamente correto destinado às jovens garotas. Quanto a Malévola, nem é preciso dizer que a personagem não é fundamentalmente malvada - ela nasceu pura e alegre, como parece ser o caso de todas as crianças neste mundo mágico, mas ficou amargurada com o fim de uma história de amor. "Malévola", antes de ser um adjetivo depreciativo, é o nome próprio da protagonista, adquirido muito antes de se transformar em feiticeira má.
No que diz respeito ao elenco, é difícil prestar atenção em qualquer outro nome além de Angelina Jolie. A atriz e produtora está muito à vontade no papel, transitando facilmente entre a ironia, a vilania e o carinho por Aurora. Jolie sabe como empregar muito bem cada tom de voz, cada expressão, dando a impressão de que a estrela é tão bem treinada na arte dramática quanto na arte de posar para fotógrafos, mostrando sua beleza e seus melhores ângulos (e as duas habilidades são exaustivamente solicitadas no filme). Já a promissora Elle Fanning faz o que pode com a rasa personagem da princesa pura e ingênua, capaz de observar uma mulher vestida de preto, com chifres imensos, e confundi-la com sua fada madrinha.
De maneira geral, o filme surpreende pela quantidade baixa de humor, elemento normalmente usado para equilibrar o tom de produções sombrias como esta. Malévola se leva bastante a sério, mas o seu roteiro traz oscilações visíveis quanto ao tom: o início típico da fábula cede espaço para um segundo ato sem conflito algum, no qual a protagonista e o espectador apenas esperam Aurora crescer para a maldição se concretizar - até finalmente chegar o clímax, cheio de ação, com fogo voando pelos ares e lutas espetaculares.
Um exemplo externo ao filme pode ajudar a compreender melhor os seus valores. Recentemente, o diretor Colin Trevorrow defendeu a sua continuação de Jurassic Park, contra aqueles que o acusam de "estragar as histórias da nossa infância". Segundo ele, não podemos exigir do cinema contemporâneo que corresponda ao padrão de décadas atrás. Afinal, a infância dos adultos já passou, e agora é a vez de criar histórias para uma nova geração de crianças, acostumadas aos vídeos na Internet, os videogames, os celulares e os desenhos animados espetaculares.
Talvez Trevorrow tenha razão: se a Disney queria adaptar Malévola aos nossos tempos, que o fizesse com o vocabulário visual da juventude de hoje. E esta é uma juventude fascinantemente contraditória: ela já viu de tudo, mas quer ver sempre mais, e exige ao mesmo tempo o máximo de fantasia e a máxima aparência de realidade, com explosões verossímeis, dragões de pele detalhista, batalhas com sons nítidos de corridas, gritos, espadas. Neste sentido, Malévola se adapta muito bem ao novo imaginário tecnológico do cinema.