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    Cavaleiro de Copas
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Cavaleiro de Copas

    Metafísica cristã

    por Bruno Carmelo

    “Seja você mesmo. Busque a paz. O que fizemos de nossas vidas? Oh, a vida! Estamos seguindo um caminho que não é o nosso. Meu filho. O amor é traiçoeiro. A vida deve ser vivida. Meu filho. Nem tudo é possível. A realidade não é a realidade. Não me lembro do homem que eu queria ser. Você não quer o amor, você quer a experiência do amor. Vida, a vida! A alma poderia chegar até os céus. Encontre o seu caminho, da escuridão para a luz. Busque a paz. Meu filho”. Se estas frases fazem sentido para você – qualquer uma delas, em qualquer ordem – talvez você goste de Knight of Cups.

    O filme marca a nova experiência do diretor Terrence Malick através de um tipo muito especial de metafísica estética, que tenta atribuir o caos na vida dos personagens ao caos nas imagens. A premissa faz sentido, mas se traduz em um grupo de discursos um tanto difíceis de assimilar: Christian Bale interpreta um homem qualquer, praticamente sem vontades manifestadas ao longo da trama, que se relaciona sucessivamente com uma porção de beldades de Hollywood (Natalie Portman, Teresa Palmer, Cate Blanchett, Imogen Poots, Freida Pinto) enquanto pronuncia as reflexões do parágrafo acima.

    As atrizes também proferem frases do tipo, em tom sussurrante, meio sensual e meio casto, como Malick impõe a todos os seus personagens, em todas as situações. Fica a impressão que, ao invés de criar um contexto, Knight of Cups privilegia a falta de contexto, a aleatoriedade: esta história poderia ter durado 20 minutos, ou talvez cinco horas, já que o desfile de imagens de festa, de brigas e de corridas ao mar se sucede sem que uma cena necessariamente dialogue com a anterior. A narrativa avança como um fluxo inconsciente, desprovido de razão ou de alguma intenção para além do próprio dispositivo: suas imagens, retóricas, são um fim em si mesmas.

    Assim, o filme não difere muito de A Árvore da Vida, outra obra de Malick, construída a partir do mesmo estilo de imagens, mesma narração sussurrante, mesmo tom de autoajuda. Mas enquanto A Árvore da Vida se parecia com uma grande missa, citando de maneira explícita a Bíblia, Knight of Cups é mais mundano, mais contemporâneo, e lembra uma grande propaganda para marcas de roupas chiques, com Christian Bale desfilando seus ternos e camisas por festas caras, pelas ruas da cidade e até pelo deserto. De qualquer maneira, persiste a sensação de uma obra cristã, construída a partir do sentimento de culpa inerente ao ser humano – façam o que fizerem, os personagens de Malick são sempre vazios, tristes, em busca da reconciliação com o mundo transcendental.

    "Mas as imagens são belas!", gritam alguns críticos e fãs. E a beleza existe fora de contexto? Todo pôr do sol é belo em si? Toda narração sobre as dificuldades da vida é bela em si? Se a beleza fosse tão objetiva e calculada, seria facílimo fazer o filme mais belo do mundo: talvez ele fosse semelhante a um filme de viagens, a um documentário do Discovery Channel. A beleza é uma construção, não uma apreensão direta da realidade. Por essa razão, defender belezas absolutas e automáticas em Knight of Cups parece ser um argumento de difícil sustentação.

    O que o filme revela, acima de tudo, é o peso do cinema autoral nas grandes mecas do cinema (A Árvore da Vida foi apresentado em Cannes, Amor Pleno foi apresentado em Veneza, e agora Knight of Cups chega a Berlim, completando o “Grand Slam” para Malick). Muitas pessoas não assistiram a um filme qualquer, mas ao “novo Malick”, a nova amostra da assinatura do diretor. A paixão pelo cinema transforma-se em culto à personalidade, em apreciação acrítica que não distingue uma obra da outra: quanto mais Malick, melhor, e Malick sempre será bom. Ponto final. A lógica da autoria é retórica, e esgota-se em si mesma – como a lógica religiosa, aliás.

    Knight of Cups é um filme que vai dividir críticos, dividir espectadores, e talvez tenha sido feito justamente para isso. Que ele tenha méritos filosóficos, estéticos, metafísicos, vai depender de uma apreciação muito pessoal do espectador. De qualquer modo, neste caso como no caso das obras de qualquer outro autor canonizado (Jean-Luc Godard, por exemplo), resta esperar que o filme seja discutido, debatido, ao invés de simplesmente assimilado como uma verdade absoluta.

    Filme visto no 65º festival de Berlim, em fevereiro de 2015.

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