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    Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo

    Pela América

    por Francisco Russo

    O diretor Bennett Miller tem uma predileção especial por histórias verídicas. Além de comandar dois documentários, ele também levou às telonas duas adaptações de histórias reais sob a forma de ficção: Capote e O Homem que Mudou o Jogo. Em ambos os casos, Miller queria mais do que simplesmente retratar um evento interessante, mas também abordar questões pertinentes aos bastidores. Em Capote, a pena de morte; em O Homem que Mudou o Jogo, o uso de estatísticas para revolucionar o baseball. A situação se repete no tenso Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo, o melhor trabalho de sua ainda curta filmografia.

    A história verídica aqui abordada é o conflituoso relacionamento entre o milionário John du Pont e os irmãos Mark e Dave Schultz, ambos medalhistas de ouro em Olimpíadas na luta greco-romana. Du Pont vem de uma dinastia abastada, com histórico de apoio ao esporte norte-americano, e nutre um gosto especial por esta modalidade pouco conhecida que, para sua mãe (e outros tantos), é considerada “menor” ou “menos nobre”. Disposto a liderar uma equipe vencedora, ele usa as vantagens que o dinheiro proporciona para seduzir o já campeão Mark. Encantado e um tanto quanto ingênuo, ele topa. Entretanto, a amizade incondicional aos poucos se transforma em um relacionamento doentio, impulsionado pelos dissabores que o dinheiro também traz.

    Por mais que Foxcatcher acompanhe a trama resumida acima, na verdade Bennett Miller quer tratar de questões bem mais profundas, especialmente a obsessão americana pela vitória e seu inevitável narcisismo. Se Du Pont desde o início demonstra ter problemas psicológicos sérios, estes são potencializados ainda mais pela cultura existente de que apenas o título interessa. “Dou esperança à América”, diz o milionário em determinada cena. Em que? O impacto do esporte como meio de se autopromover, e também como forma de demonstrar poder e obter respeito, são temas onipresentes no cenário existente entre Du Pont e os Schultz. São, na verdade, o alicerce para tudo o que acontece na vida do trio. Pelo lado dos atletas, ambos veem Du Pont como o Midas que pode lhes proporcionar a vida e o treinamento que tanto desejaram. A questão é: a que custo?

    Seguindo o estilo de Capote e com uma direção clássica e serena, Miller constrói uma investigação psicológica sobre cada um de seus personagens principais que muito revela não apenas sobre eles, mas principalmente sobre o ambiente corroído em que estão inseridos. Para tanto, conta com três grandes atuações. Steve Carell impressiona como John Du Pont, em uma composição de personagem muito mais profunda que seus (bons) trabalhos mais sérios, como Pequena Miss Sunshine ou O Verão da Minha Vida. Suas pausas ameaçadoras, onde apenas encara o interlocutor, possuem uma força dramática impressionante. Por outro lado, Channing Tatum se destaca especialmente pelo lado físico. É nítido o meticuloso trabalho corporal feito por ele para aparentar um atleta olímpico, não apenas pelas sequências de luta mas especialmente pelo modo de andar e falar. O estilo truculento de seu Mark Schultz mescla a ingenuidade de quem acredita no sonho ao alcance da mão aliado à obsessão em ser o melhor, custe o que custar, e a decepção inerente da vida ao lado de Du Pont, com direito a brilho intenso nos momentos de explosão que a trama lhe oferece. Trata-se do melhor trabalho da carreira de ambos, indiscutivelmente.

    O último vértice deste trio de grandes atuações é Mark Ruffalo. Lutador já aposentado, mas que se mantém na ativa graças ao trabalho como treinador de outros lutadores, ele é a voz da consciência do irmão Mark que, também, cai no conto de Du Pont. Ou seja, embarca na ilusão das condições ideais para fazer seu trabalho sem imaginar o tamanho da encrenca em que estava se metendo. Ruffalo também passou por um cuidadoso trabalho corporal, apesar de sua função na trama ser muito mais como antagonista psicológico de Du Pont.

    No fundo, Foxcatcher é uma história de egos que, ao colidir, explodem de forma incontrolável. Há no filme um mantra hipnótico que incomoda e ao mesmo tempo encanta, absorvendo o espectador para este ambiente repleto de paranoia, orgulho e ambição, de ambos os lados. Entretanto, Bennett Miller vai além do lado psicológico e oferece uma crítica ácida sobre a cultura americana, que tão bem explica – mas não justifica – o ocorrido. A pergunta que fica é: algo mudou nos dias atuais?

    Excelente filme, que merece muitas indicações no próximo Oscar. Não apenas pela condução soberba da direção e as ótimas atuações, mas também pelo perfeccionismo técnico em maquiagem, fotografia e direção de arte e, principalmente, pela coragem em cutucar um tema tão intrínseco ao modo de ser e de se orgulhar do americano típico.

    Filme visto no 67º Festival de Cannes, em maio de 2014.

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