Mundo publicitário
por Francisco RussoPor mais que cada ditadura possua sua particularidade, certas características são universais: repressão, terror, medo, violência, desaparecimento... O Chile sob o comando de Augusto Pinochet sofreu todas estas violências, retratadas de modo devastador no imperdível Desaparecido - Um Grande Mistério (1982). No, novo filme do diretor Pablo Larrain, retorna ao tema sob outro enfoque. Ao invés de analisar o governo Pinochet, vai direto a um evento raro, talvez único, quando um ditador aceita a realização de um plebiscito popular para decidir sobre sua continuidade no poder. Diante de uma oportunidade desta, como se portar? Aproveitar os 15 minutos de propaganda livre na TV nacional para denunciar as atrocidades cometidas? Manter-se fiel ao espírito socialista e pregar seus ideais para a população? Estas seriam as opções óbvias, mas nenhuma delas foi escolhida – ao menos não ao pé da letra.
"Vocês querem ganhar este plebiscito?" Foi esta simples pergunta, sedutora, que René Saavedra (Gael García Bernal, contido) fez aos responsáveis pela campanha do não, após assistir uma propaganda que seguia todos os preceitos antigos descritos no parágrafo acima. Publicitário tarimbado, Saavedra sabia de antemão que uma campanha neste estilo jamais conquistaria corações e mentes dos chilenos, ao menos não a ponto de derrubar Pinochet. Sua proposta era ousada: usar os truques e ideais publicitários em nome da concretização de um sonho, mesmo que para tanto precisasse passar por cima de preceitos arraigados dos envolvidos e, por vezes, até mesmo deixá-los ofendidos. Como? Amenizando a campanha, de forma a torná-la alegre e cativante.
A saga da campanha pelo não no plebiscito chileno é tão insólita e corajosa que chega a ser difícil acreditar que seja verdadeira. A presença de propagandas reais, usadas na época, alimenta ainda mais esta sensação. Se por um lado são o retrato claro da genialidade empregada, por outro lembram sempre do risco assumido ao levar a campanha neste sentido. Sua popularização acaba minimizando uma questão primordial, motivo para muita discussão, que é o uso de meios publicitários para impulsionar sonhos ideológicos que, por si só, não teriam tal força. Impossível não fazer uma analogia rápida com a política brasileira recente e lembrar da nova roupagem ganha por Lula, através de uma campanha de marketing cuidadosamente planejada, para que pudesse enfim ser eleito presidente. Guardadas as devidas proporções – por mais que o PSDB sofra resistência, está muito longe de ser parecido com uma ditadura -, em ambos os casos a publicidade vendeu um produto. Intangível, que mobiliza e alimenta a esperança de milhões de pessoas, mas ainda assim um produto.
Além das questões ideológicas que levanta e do forte apelo patriota – é difícil não se emocionar com o desfecho do filme, seja lá de qual nacionalidade você for -, No conta ainda com mais uma ousadia, esta de caráter estético. O diretor Pablo Larraín optou por usar uma imagem suja, com muita câmera na mão e a luz estourando a todo instante, com o objetivo de causar incômodo no espectador. A ideia era fazer um longa com as mesmas condições estéticas que os próprios filmes e comerciais chilenos tinham na época, trazendo uma veracidade visual com a época retratada. A ousadia vem não desta opção – Argo, por exemplo, adotou a mesma medida -, mas pela manutenção do lado sujo da imagem, bem longe da qualidade visual vinda dos filmes hollywoodianos. Algo que pode incomodar os mais sensíveis.
No é um grande filme, que acompanha um momento histórico do Chile sabendo dosar a importância do ocorrido sem deixar de lado um idealismo emocionante. Uma história ainda atual, apesar de se passar no final da década de 1980, pelo impacto sempre presente da publicidade nas eleições recentes. Um filme para ver, aprender e refletir, sobre a história e, mais importante ainda, a presença da publicidade nas nossas vidas.