Uma leve tortura
por Renato HermsdorffUma Longa Viagem poderia ser um filme infantil. Isso porque, em tese voltada para o público adulto (a classificação é de 14 anos), a produção dirigida por Jonathan Teplitzky, baseada em uma história real, narra de forma açucarada e falsamente tocante a trajetória de um inglês torturado durante a Segunda Guerra Mundial que vai procurar o seu malfeitor de outrora, para acertar as contas com o passado.
O herói é Eric Lomax (Colin Firth), o homem que foi capturado pelos japoneses durante o combate. Prisioneiros, ele e seus conterrâneos são enviados à Tailândia, forçados a trabalharem na construção do trem Burma-Sião. Lá, secretamente, ele constrói um rádio para trazer notícias da guerra. Apanhado, é torturado e interrogado. Cinquenta anos mais tarde, Lomax busca o homem que servia de intérprete em suas sessões de flagelação.
A análise do filme passa por uma questão de pretensão. A obra parece ter sido concebida mirando as temporadas de premiações – tiro que saiu pela culatra, na medida em que os sindicatos e academias (descontados os australianos) o ignoram de forma geral (lá fora, The Railway Man, no original, foi lançado em 2013). Sim, a produção é caprichada, com locações grandiosas que recriam o cenário de época de maneira bem convincente. E o filme é muito bem fotografado. Mas o resultado final é plástico, artificial.
Colin Firth foi escolhido para o papel verídico de um homem inglês psicologicamente atormentado, numa tentativa de repetir o sucesso de seu monarca gago de O Discurso do Rei. Mas o roteiro clichê, de situações artificialmente construídas para que se tenha pena do personagem, não permite que ele brilhe. Já para viver a esposa do personagem, Patti Lomax, a escalação recaiu sobre (surpresa!) outra ganhadora do Oscar, Nicole Kidman que, cheia de maneirismos (inclina a cabeça para demonstrar reocupação), sussurra em grande parte do filme.
Como se não bastasse, a solução (mesmo se tratando de uma história real, como já foi explicado) é conduzida de uma forma apelativa e redentora – na contramão do surpreendente Dogville, com uma Nicole Kidman pré-Botox –, com frases de efeito que credenciam Uma Longa Viagem como uma leve tortura.