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    Sem Escalas
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Sem Escalas

    Paranoia americana

    por Bruno Carmelo

    Um árabe, um negro, uma loira burra e um policial entram em um avião. Parece início de piada, mas é apenas o começo de Sem Escalas, suspense que brinca com os clichês do cinema de ação para cutucar (um pouco) o modo de pensar norte-americano. No caso, um avião está repleto de estereótipos de pessoas suspeitas – o árabe é visto como potencial terrorista, o negro é visto como potencial arruaceiro, a loira gostosa, como potencial manipuladora etc. – e começam a acontecer assassinatos. Como em um livro de Agatha Christie, cabe ao espectador responder a uma única questão: quem foi?

    Liam Neeson interpreta um policial especialista em segurança aérea, encarregado de encontrar o (a) criminoso (a) no avião. Ele também é visto como potencial assassino esquizofrênico, encaixando-se no estereótipo do alcoólatra (portanto, visto como imprevisível e pouco confiável). Durante quase uma hora, o diretor Jaume Collet-Serra brinca com os possíveis culpados: todos os passageiros têm aparência suspeita, são vistos olhando para os lados, digitando algo no celular, talvez confabulando com os outros. O clima de paranoia é interessante por brincar com preconceitos sobre a fiabilidade de certos grupos sociais, e sobre a imagem sombria de terrorismo alimentada pelos americanos desde os atentados de 11 de setembro. Desconfiar uns dos outros, neste contexto, transforma-se em saudável medida de segurança.

    O filme só consegue sustentar 105 minutos de tensão no interior de uma aeronave porque traz o mundo exterior para este cenário. O diretor proporciona um verdadeiro desfile do arsenal tecnológico americano: celulares de todos os tipos, redes potentes em grandes altitudes, televisores que transmitem ao vivo o telejornal, smartphones que gravam vídeos e transmitem ao vivo as notícias para o mundo externo, em pleno voo. Se não fossem os telefones celulares e a Internet, Sem Escalas não existiria – e muitos filmes de ação contemporâneos teriam uma aparência completamente diferente.

    Enquanto a tecnologia faz suas acrobacias narrativas, o diretor faz contorcionismos estéticos. Câmeras deslizando por corredores, imagens desfocadas para as cenas de bebedeira, câmera na mão nos momentos de ação. Nada muito inovador, mas eficaz dentro da cartilha comercial. Liam Neeson já provou que sabe fazer muito bem o tipo de personagem durão e injustiçado, e o espectador não tem dificuldades em torcer por ele, já que apenas a plateia tem certeza da inocência do protagonista, enquanto todos os outros veem neste homem o verdadeiro sequestrador do avião. Só resta saber por que a grande Julianne Moore aceitou um papel minúsculo e simplório que poderia ser interpretado por qualquer novata em Hollywood (é sério, Julianne, está na hora de mudar de agente).

    Com as mortes acumulando, chega o momento em que o roteiro deve finalmente explicar quem cometeu os crimes, de qual maneira, por que razão. Nesta parte, Sem Escalas lembra os teen thrillers como Pânico, em que o (a) assassino (a) simplesmente assume em voz alta ser o responsável, fornece alguma explicação em dois minutos – de preferência envolvendo algum trauma pessoal – e o roteiro considera o trabalho terminado. A psicologia do filme é totalmente absurda, assim como as reviravoltas que acontecem nos últimos quinze minutos, destinadas a dar algum sentido àquela trama que se satisfazia tão bem em simplesmente suscitar curiosidade. A obrigação de amarrar as pontas faz Sem Escalas atingir o cúmulo do ridículo nas cenas finais, mas sempre com algumas tiradas irônicas, como se o filme nunca se levasse muito a sério. Existe uma aura de filme B que permeia alegremente a narrativa.

    Por fim, este suspense tragicômico consegue satirizar de maneira divertida a paranoia dos Estados Unidos em situações de crise, mas depois abraça sem questionamentos o patriotismo, o heroísmo individual e o poderio tecnológico da nação. Trata-se de um entretenimento que não consegue promover uma reflexão, mas manipula com destreza as sensações do público. 

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