Os segredos dos homens
por Bruno Carmelo“Para fazer um filme, basta uma mulher e uma arma”, dizia o provocador Jean-Luc Godard. A frase vem à cabeça diante do suspense As Duas Faces de Janeiro, que apoia sua construção sofisticada sobre uma trama simples, centrada justamente em um triângulo amoroso e uma morte. Um rico casal (Viggo Mortensen e Kirsten Dunst) faz uma viagem à Grécia, onde conhece um guia americano (Oscar Isaac) que se torna amigo dos dois. Este representa uma ameaça ao se mostrar atraído pela esposa do amigo, mas torna-se necessário na vida dos turistas quando um suposto assassinato entra em cena.
Muitos críticos evocaram a herança de Alfred Hitchcock diante desta história. Talvez a época antiga (nos anos 1960), a direção de arte e a fotografia impecáveis e as paisagens paradisíacas remetam a uma ideia de prestígio associada ao diretor. Mas esta nova produção está distante do que Hitchcock chamava de suspense. Enquanto o britânico apresentava o suspense como uma assimetria de informações (ou o público sabe de algo que os personagens não sabem, ou os personagens sabem de algo que o público não sabe), esta história esclarece toda a ação, colocando o espectador como um voyeur onisciente. Chester (Mortensen), Rydal (Isaac) e Colette (Dunst) detêm quase todas as informações necessárias sobre a morte que move a trama, e o grande suspense está nos rumos da narrativa: eles serão presos? Rydal ficará com Colette?
Desta maneira, apesar do clima sombrio e da trilha sonora tensa, As Duas Faces de Janeiro é um filme de personagens. Felizmente, o diretor iraniano Hossein Amini conta com dois excelentes atores à frente do elenco. Tanto Viggo Mortensen quanto Oscar Isaac compõem personagens complexos e ambíguos, cada um à sua maneira: o primeiro, com olhar e gestos violentos; o segundo na base da malícia e da insinuação. Os embates entre eles são eletrizantes, assim como a relação de admiração e mesmo de atração entre esses dois homens. Kirsten Dunst poderia compor seu papel com igual ambiguidade, mas prefere fazer o papel da garota ingênua e pouco inteligente, tornando-se menos interessante do que seus colegas de cena.
Já o diretor tem um bom olhar para o uso dos espaços, fazendo composições clássicas, mas funcionais, em estradas abertas, à beira do mar ou nas ruas de pequenas ilhas gregas. Ele tem a louvável capacidade de se aproximar dos personagens sem ficar refém dos enquadramentos próximos. Mesmo assim, alguns momentos importantíssimos envolvendo uma escadaria e uma maleta são filmados de maneira displicente, perdendo o grande impacto que poderiam – ou deveriam – ter. Nestas cenas chave, a montagem se acelera e a iluminação diminui, como se o cineasta não confiasse na potência de seus enquadramentos e de seus atores, precisando recorrer a efeitos fáceis do cinema de gênero.
Mesmo assim, a trama consegue se aprofundar de maneira considerável para seus enxutos 97 minutos de duração, construindo uma relação sólida entre os dois personagens masculinos. O roteiro cuidadoso emprega diversas simbologias para aproximá-los na relação de amizade, rivalidade e paternidade (Rydal ainda sofre com a perda do pai, e durante um momento de crise, finge ser o filho de Chester). Diante do cenário grego, a narrativa apela para a estrutura clássica e metafórica de Édipo, atualizando a figura do anti-herói que precisa desafiar o pai e desejar a mãe para alcançar o seu trágico destino. Assim, de maneira elegante, embora não muito surpreendente, a trama encontra a sua conclusão, tão imperfeita e bela quanto todo o filme.