Minha conta
    O Homem Mais Procurado
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    O Homem Mais Procurado

    Os novos terroristas

    por Bruno Carmelo

    O Homem Mais Procurado é um filme sobre o terrorismo. No entanto, embora o imaginário popular que cerca o tema seja composto por fanáticos religiosos, homens bomba e americanos salvando o mundo, nenhum desses itens está presente neste suspense. Os verdadeiros terroristas, aqui, são homens bilionários, de diversas religiões, que fornecem dinheiro para grupos extremistas, permitindo que cometam seus atos violentos. Ou seja, os personagens principais desta história são banqueiros, donos de ONGs, espiões, advogados. Suas armas são documentos, contas em banco.

    Como a maioria das histórias criadas pelo romancista John Le Carré, existem dezenas de personagens, de intrigas, de reviravoltas, de países e línguas, além de uma quantidade quase ininterrupta de diálogos. A versão cinematográfica tenta condensar todos estes elementos em pouco mais de duas horas, tornando o conjunto confuso inicialmente. Mas logo as peças começam a se encaixar, e como felizmente não são acrescentados novos personagens ao longo da trama, o espectador tem o tempo necessário de conhecer cada um e compreender as suas implicações nas atividades alheias.

    O diretor holandês Anton Corbijn faz um trabalho elegante de direção, valorizando os belos cenários noturnos de Hamburgo, a paisagem fria e surreal dos centros de inteligência e o clima enfumaçado dos bares e cabarés. Como existe muito movimento no roteiro (personagens entram e saem de prédios, passando por corredores e salões o tempo inteiro), a câmera segue cada passo com um ritmo intenso e empolgante. A trilha sonora sabe dosar tensão e repouso, enquanto a fotografia precisa contribui para o conjunto sem chamar muita atenção para si mesma.

    O elenco estelar é prova do respeito que o material de Le Carré e a direção de Corbijn inspira entre os grandes atores. Philip Seymour Hoffman, Rachel McAdams, Willem Dafoe, Robin Wright, Daniel BruhlNina HossGrigoriy Dobrygin estão nos papéis principais. Todos fazem construções interessante de personagens, em especial Hoffman, mais taciturno do que na maioria dos papéis que costumava fazer. Chega a ser irônico, no entanto, que um filme tão crítico em relação ao intervencionismo americano escolha tantos americanos para interpretar estrangeiros. Mesmo assim, o baile de sotaques é sutil e não chega a destoar do conjunto.

    O grande mérito de O Homem Mais Procurado é conseguir amarrar cada um de seus fios soltos, de maneira lógica e ao mesmo tempo inesperada, com direito a um discurso surpreendentemente crítico em relação à maneira como os ocidentais combatem o terrorismo. As reuniões entre Gunther (Hoffman) e a representante americana (Wright) são pérolas de cinismo, atacando a política externa desumana e empresarial dos norte-americanos. Estas atitudes são apontadas como parte de um grande sistema corrupto em si, sem criar indivíduos bons ou ruins, perversos ou generosos.

    Na onda de ataques e contra-ataques entre Ocidente e Oriente retratada neste filme, nenhuma nação reflete em termos morais ou ideológicos, apenas financeiros. Este discurso é provavelmente o mais complexo que o cinema de espionagem trouxe às telas desde O Espião Que Sabia Demais (2011), justamente outra brilhante adaptação de John Le Carré. Com inteligência e apuro visual, O Homem Mais Procurado consegue entreter e despertar reflexão, tendo motivos de sobra para atrair tanto o público médio quanto o circuito de arte.

    Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2014.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top