A função do terror
por Bruno CarmeloUma mulher pisa em um cérebro. Ela se assusta, corre, grita, enquanto é perseguida por um monstro. Na verdade, estas primeiras imagens de ParaNorman são apenas um filme de terror ao qual o pequeno Norman assiste na televisão, mas sua "realidade" é igualmente sobrenatural: no sofá da sala, está sentado o espírito da avó morta. Esta ótima cena representa muito bem a própria lógica do filme: transitar entre a representação (monstros na TV) à vida real (monstros na vida do personagem), insinuando que as diferenças entre o mundo repleto de zumbis e a vida cotidiana são mínimas.
Os créditos em vermelho sangue, com referências às produções B de terror, revelam que os diretores Sam Fell e Chris Butler decidiram se inspirar em grandes clássicos do gênero, que as crianças certamente não viram, mas que farão a alegria dos pais: Halloween - A Noite do Terror, O Exorcista, Poltergeist - O Fenômeno, todos estão presentes nesta homenagem. Os próprios zumbis, muito mais assustadores do que na média das produções infantis, foram cuidadosamente pensados para serem asquerosos, com unhas sujas, dentes encardidos, arrastando as pernas com dificuldade.
Ou seja, ao invés do terror asséptico e gentil de A Família Addams ou Sombras da Noite, esta produção em stop motion computadorizado não tem medo de buscar elementos amedrontadores. A aparição dos espinhos gigantes na floresta, a manifestação da bruxa, a subida de Norman pela torre são carregadas de ruídos estridentes, trilha sonora épica e clarões incômodos, muito mais próximos das verdadeiras produções de terror do que das comédias familiares. ParaNorman pode perder grande parte de seu público nesta aposta, mas a entrega do projeto às regras do gênero é notável.
Ainda melhor é ver que a apropriação não se limita à temática e à estética, adotando também da ideologia que sempre acompanhou os filmes de zumbi. George Romero, John Carpenter e outros diretores de terror fizeram críticas ácidas à sociedade de consumo americana, e ParaNorman consegue atualizar a maior parte destes temas em uma produção infantil. Numa época em que algumas causas tradicionalmente ligadas à esquerda (como a ecologia) foram incorporadas ao pensamento direitista e politicamente correto, o filme abraça uma nova causa social: a tolerância.
Sem uma menção sequer à religião, a história defende seus zumbis como quem defende todos os grupos sociais minoritários, sejam eles garotos que enxergam fantasmas, como Norman, gordinhos pouco inteligentes, como Neil, ou gays, como indica a conclusão. Nesta era de aceitação colorida e utópica à la Glee, este filme é muito mais complexo: ele recusa o maniqueísmo e observa todos estes grupos com o mesmo respeito, defendendo a tese de que os intolerantes agem desta maneira por simples ignorância.
Além disso, a produção é hilária, com piadas inteligentes e nunca explícitas demais. ParaNorman é um filme ousado, recusando rechear sua história com cenas de ação - algo quase obrigatório para despertar o interesse das crianças - ou apelar para saídas fáceis e explicações sociais rasteiras (como fazia o simplório O Lórax). Este filme reúne o poder crítico dos filmes de terror com o poder cômico das melhores paródias, aliados aos visuais espetaculares e a uma ideologia sem concessões. Uma verdadeira crônica política, que não subestima a inteligência do seu público (toma essa, O Ditador) e que cai como uma luva nos tempos de hoje.