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    Carrie - A Estranha
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Carrie - A Estranha

    Terror para principiantes

    por Bruno Carmelo

    É muito difícil assistir à nova versão de Carrie – A Estranha sem ter em mente o ótimo filme original, dirigido por Brian De Palma. A desconfiança dos cinéfilos é compreensível, afinal, a diretora Kimberly Peirce basicamente oferece um produto novo a um consumidor que está muito satisfeito com o original. Como ninguém pedia por uma nova versão, a cineasta corre o risco de sofrer acusações típicas do cinema industrial: a de não ter criatividade, de apenas explorar uma história famosa, de se julgar capaz de rivalizar com um dos maiores clássicos de gênero etc.

    De certa maneira, todos os diretores que se arriscam a refilmar clássicos (como já havia acontecido com Gus Van Sant e Psicose) devem assumir esta responsabilidade: não se pode contar com a amnésia dos espectadores mais velhos, nem com o desconhecimento do filme original por parte dos jovens. É preciso levar em consideração o impacto que a primeira produção teve na história do cinema e também, neste caso, o destaque dado às mulheres em um gênero tradicionalmente misógino como o terror.

    No entanto, Peirce tinha sim, todo o direito de refilmar o livro de Stephen King, sem obrigação de ser melhor, mais moderna ou mais relevante que primeiro filme. No melhor dos casos, sua versão poderia servir como uma boa parceira ao original, mostrando como evoluiu a tecnologia na narrativa (agora, os alunos da escola de Carrie possuem celulares com câmeras fotográficas) e na produção (efeitos especiais e sonoros). No pior dos casos, a nova versão pareceria irrelevante. É uma pena que, ao invés de completar, atualizar ou homenagear o filme original, o novo Carrie – A Estranha tenda para a irrelevância.

    Não que o filme não tenha qualidades: a cena de abertura é realmente forte, inovadora em relação a De Palma, e mostra que a diretora vai investir em um viés psicanalítico (a relação mãe-filha, a automutilação da mãe, a sexualidade dos jovens da escola) ao invés de propriamente sobrenatural. Enquanto Piper Laurie falava alto, com ares de louca, Julianne Moore prefere a atuação intimista, com os olhos avermelhados e palavreado baixo. Enquanto Sissy Spacek arregalava os olhos (novamente, remetendo à imagem da loucura), a Carrie de Chloë Moretz parece perfeitamente normal, bela e segura de si. A versão 2013 desta história tende a trocar o espetacular pelo realismo dramático.

    O problema é que, na ânsia de filmar o terror como drama, Peirce perde a grande força do filme de De Palma, que mostrava quase unicamente o ponto de vista da protagonista. O espectador da história original descobria o mundo pelos olhos de sua heroína, vendo a mãe pelo prisma da filha culpada, e os adolescentes da escola pela perspectiva de uma garota oprimida. Era fácil se identificar com Carrie, sofrer junto dela, torcer pela vingança. Mas a versão contemporânea deixa o espectador ver o ponto de vista de todos, o tempo todo, mesmo quando Carrie não está lá: a cena de sexo de uma líder de torcida é oferecida apenas ao olhar do público, a briga entre as meninas do colégio também. O espectador onipresente sabe quem de fato quer ajudar a protagonista e quem quer prejudicá-la, conhecendo os planos malvados dos jovens e antecipando como eles vão se desenrolar.

    Por isso, Carrie – A Estranha é um filme liso, sem tensão nem suspense. Para melhor ver a casa, a fotografia opta por tons superexpostos (você nunca viu um filme de terror tão claro quanto este, mesmo nas cenas noturnas); para compreender que Carrie tranca a mãe em casa com seus poderes telecinéticos, a garota inesperadamente solda a fechadura com a força da mente, mantendo sua mãe à distância. Neste momento – adivinha? – o enquadramento se aproxima da imagem da fechadura, da solda incandescente. Peirce, como uma professora dedicada, parece perguntar aos espectadores-alunos, após cada cena: “Entendeu bem?”. Quando a mãe machuca as próprias pernas, a câmera vai para debaixo das saias acompanhar as feridas, quando Carrie escolhe um vestido para o baile de formatura, todas as jovens da cidade estão convenientemente esperando na vitrine da loja, testemunhando a cena. Este filme tem a transparência de um melodrama, em um gênero que pede desesperadamente por um pouco mais de ambiguidade.

    Ao aplicar esta estrutura pedagógica ao terror, a história muda de sentido: Carrie não é mais uma garota assustada e ingênua, que descobre a capacidade de seus próprios poderes junto do público, no momento em que é humilhada pelos colegas de escola. A nova Carrie domina seus poderes, pratica-os o tempo inteiro (ela move bandeiras, crava facas no chão, liga o rádio no volume certo). Assim, não é nenhuma surpresa que a personagem consiga se vingar de maneira tão sanguinária na famosa cena do baile de formatura. O espectador já sabia, e a protagonista também, que ela era capaz desta façanha. Chloe Moretz mais parece uma super-heroína, como em Kick Ass - Quebrando Tudo ou nos novos filmes da Marvel, pronta para usar sua telecinesia contra os inimigos e até, quem diria, para prever o sexo de bebês.

    Pelo menos, na cena clímax do baile, Chloe Moretz enfim dá a impressão de se sentir à vontade no filme. Com os olhos revirados, a boca entreaberta e os braços girando como se fosse o maestro de uma orquestra, a jovem atriz compõe uma atuação mais pertinente. É engraçado: Moretz se sai muito melhor quando interpreta vampiros (Deixe-me Entrar) e lobisomens (Sombras da Noite) do que garotas comuns, sofrendo com os colegas opressores. A atriz evoca o sobrenatural com respeito, sem cair na caricatura, conferindo complexidade à personagem na medida em que o humano cede espaço ao sobre-humano. É uma pena que a tia Peirce, professora desta escola, opte pela montagem mais didática disponível: corte em cada pessoa sendo morta, câmera subindo para acompanhar corpos suspensos por cabos, câmera baixando quando os corpos caem no chão. “Entendeu bem? Conseguiu acompanhar tudo?”

    Por fim, Carrie – A Estranha é um filme de terror que ignora os mecanismos fílmicos e cognitivos do terror. Este é uma produção clara demais, em todos os sentidos do termo, incapaz de instigar a imaginação do público. Enquanto De Palma optava por um massacre no baile de formatura mostrado apenas pela metade (a outra metade ficava na mente do público, diante da imagem de um galpão fechado, em chamas), Peirce acompanha cada morte, uma por uma, até o assassinato ridículo de duas gêmeas, com os cadáveres dispostos simetricamente. Será que a cineasta acredita que a nova geração de espectadores é incapaz de conceber metáforas e insinuações? Que só se satisfaz com mortes explícitas, tramas explicadinhas, ponto por ponto, à maneira dos seriados policiais de televisão? Esperamos que não. Vamos torcer para que Peirce esteja apenas refletindo sobre a crise do cinema comercial contemporâneo, fadado a se repetir, sem conseguir evoluir a partir dos clássicos.

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