Minha conta
    O Homem que Ri
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    O Homem que Ri

    Perdido pelo caminho

    por Bruno Carmelo

    Em uma das primeiras cenas deste filme, um garoto com o rosto coberto por um véu caminha sob uma nevasca pesada, carregando uma criança pequena no colo. Um homem abre a porta de sua casa e vê o menino. Ele não questiona o nome dele, nem de onde vem, perguntando apenas “Você não deve ter onde morar, certo? Pode morar comigo”. Segundos depois, o garoto está dentro da casa. O homem olha para a garotinha no colo do menino, percebe que ela é cega e determina que ela será assim pelo resto da vida. Mais alguns segundos e os três se abraçam como uma família feliz, com promessas de cuidarem eternamente um do outro.

    Desde o início, percebe-se a falta de ritmo em O Homem Que Ri, como se estivéssemos assistindo a uma longa história com o botão “acelerar” do controle remoto ativado. Mesmo sem saber que se trata da adaptação de uma obra de Victor Hugo, paira a impressão de estarmos diante de uma “adaptação fiel”, subgênero que considera como sinal de respeito preservar o máximo de reviravoltas e diálogos da obra original, evitando transformar o tom ou se apropriar da história. O diretor Jean-Pierre Améris demonstra uma admiração submissa ao texto, colando as passagens mais importantes do livro com maior preocupação em agradar ao falecido Hugo do que ao espectador.

    Neste momento, o público ainda não sabe se está diante de uma comédia pastelão sobre a vida turbulenta de pessoas do circo, de um drama social sobre artistas pobres, ou de uma fábula sobre um garoto de rosto mutilado. O problema é que O Homem Que Ri também não sabe por qual desses caminhos percorrer. A cena com Gwynplaine (Marc-André Grondin) vestindo-se no castelo lembra um episódio de Os Trapalhões, o discurso aos políticos adota um teor militante e demagógico, as cenas com a pobre Déa (Christa Theret) copiam o espírito de um Romeu e Julieta lacrimoso... Uma cena resume muito bem esta indefinição: Gwynplaine e Déa, apaixonados, caminham entre ciganos famintos, enquanto a lua excessivamente brilhosa e mágica ilumina a todos.

    Assim, embora a história não se perca em sua narrativa, ela não consegue desenvolver as motivações dos personagens. Não se conhecia a veia política tão evidente do protagonista até ele discursar aos deputados, não se sabia de sua cobiça até ele adentrar o palácio. Sem saber quem de fato são esses personagens, ou onde a história pretende chegar, o espectador é repelido da narrativa, observando passivamente as múltiplas reviravoltas do roteiro.

    Mesmo assim, o projeto é comandado por um diretor apaixonado e sincero em sua proposta, com atores (principalmente Grondin e Théret) muito dedicados aos seus papéis. Gérard Depardieu atua no piloto automático, já a pobre Emmanuelle Seigner, em boa forma no drama Dentro da Casa, não consegue trazer complexidade a um personagem fraco. Por mais que Jean-Pierre Améris já tenha certa experiência no cinema, ele comete os erros típicos de diretores estreantes, querendo embutir em uma mesma obra todos os temas, personagens, mensagens e imagens que lhe interessam, como se este filme fosse uma espécie de testamento, devendo sintetizar toda a sua visão artística. O resultado é uma obra inchada, que abre mil caminhos diferentes, mas depois não consegue uni-los em uma mesma viagem.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top