Os olhos de Tim Burton
por Francisco RussoCom o perdão do trocadilho, Tim Burton é um cineasta peculiar. Fascinado por uma abordagem mais sombria, ele sempre buscou mesclá-la à fantasia não propriamente para assustar, mas de forma a criar universos onde o bem e o mal não sejam tão estereotipados assim - a animação A Noiva-Cadáver, onde os mortos são alegres e os vivos são gélidos, talvez seja a melhor síntese de sua carreira. Em O Lar das Crianças Peculiares, ele mais uma vez tem a chance de dar vazão à sua veia criativa em um ambiente sombrio e, ao mesmo tempo, bastante atraente.
Por mais que seja baseado no primeiro livro de uma trilogia, escrita por Ransom Riggs, não é exagero dizer que este é um típico filme de Tim Burton. Seu traço peculiar é bastante nítido nos personagens apresentados, inclusive com referências a outros filmes de sua carreira. Por exemplo, a escolha de Ella Purnell como Emma logo remete a Grandes Olhos, pelo perfil físico da própria atriz. Por outro lado, os Etéreos vistos em cena têm olhos bem parecidos com os de Frankenweenie. Uma breve animação inserida remete ao trabalho em stop-motion do próprio A Noiva-Cadáver e também de O Estranho Mundo de Jack, trazendo uma bem-vinda nostalgia. Da mesma forma, o longa-metragem oferece a história de um jovem de vida tediosa que é convidado a adentrar em um mundo fantástico, assim como aconteceu em A Fantástica Fábrica de Chocolate, Alice no País das Maravilhas e, de certa forma, com Os Fantasmas Se Divertem.
Em um ambiente tão confortável, Tim Burton pôde enfim exercitar o tem de melhor. Se o livro de Riggs é uma aventura infanto-juvenil envolvendo fendas temporais e crianças com poderes - os tais peculiares, bem parecidos com os mutantes de X-Men -, é graças à mente criativa do diretor que tal universo ganha forma e estilo, explorando com habilidade algumas questões mais pesadas existentes no livro. Nada que amedronte, é claro! O foco aqui permanece em criar um filme infanto-juvenil de olho no grande público, mas um pouco menos conservador que o habitual.
A história gira em torno de um garoto solitário, Jake (Asa Butterfield, como ele cresceu!), que parte com o pai para o País de Gales após a estranha morte do avô (Terence Stamp, ocupando um papel que já foi de Christopher Lee e Martin Landau em filmes anteriores do diretor). Lá ele encontra uma mansão abandonada, atingida durante a Segunda Guerra Mundial, que abriga uma fenda temporal comandada pela srta. Peregrine do título (Eva Green, de forte presença na tela), cuja missão é justamente cuidar das tais crianças peculiares.
Por mais que os pais de Jake sejam escanteados pela história, como também acontece no livro, O Lar das Crianças Peculiares funciona muito bem a partir do momento em que o jovem entra na fenda. O espectador é então convidado a adentrar neste universo mágico e um tanto quanto estranho, onde o apuro na direção de arte, figurino e maquiagem saltam aos olhos. Mesmo o efeito 3D é bem aproveitado, explorando de forma convincente a profundidade do local filmado.
Divertido e bastante criativo, O Lar das Crianças Peculiares é o melhor filme dirigido por Tim Burton em anos! Samuel L. Jackson está bem à vontade na pele de um vilão pra lá de cartunesco e o elenco de crianças/adolescentes é coeso e convincente, com exceção do exageradamente carrancudo Finlay McMillan. O roteiro, por sinal, consegue aproveitar bem as características de cada um dos peculiares, dando-lhes chances para se destacar em momentos variados do filme, por mais que no final sofra de uma certa acelerada. Ainda assim, trata-se de um filme envolvente que não apenas apresenta um universo novo no mundo da fantasia infanto-juvenil, mas também resolve a história apresentada deixando uma boa abertura para possíveis sequências.