Amores e brigas
por Bruno CarmeloFinalmente, um drama que recebe um título apropriado em sua versão brasileira. A adaptação cinematográfica do livro What Maisie Knew (“O que Maisie sabia”) capta o principal interesse deste filme: enxergar as crises nos relacionamentos dos adultos pelo ponto de vista de uma criança. Neste sentido, o filme estabelece um diálogo com outro drama em cartaz, o francês Feito Gente Grande, que também pretende retratar a amargura da vida adulta pelo olhar inocente dos pequenos.
Mas enquanto a produção francesa era terna e comovente, esta aqui adota uma abordagem áspera e realista. Como tudo depende do olhar da garota, o espectador não saberá o que ela mesma não é capaz de compreender. A pequena Maisie está frequentemente espiando brigas no fim do corredor, ouvindo conversas no cômodo ao lado. O fato é que a criança vê tudo nesta casa (ela enxerga o namorado da mãe de cueca, presencia o pai flertando com a babá), mas ninguém a vê.
Os diretores Scott McGehee e David Siegel adotam a cartilha do cinema realista, com câmeras no ombro, luzes de aparência natural, pouca trilha sonora. A câmera acompanha o rosto dos personagens, acomodando-se a cada gesto e movimento dos atores no enquadramento. Este tipo de direção costuma ser um presente aos atores, e felizmente a novata Onata Aprile, no papel principal, limita-se a poucos gestos e frases naturalistas. Já o quarteto formado por Julianne Moore, Alexander Skarsgård, Steve Coogan e Joanna Vanderham tenta conferir humanidade a esta ciranda de adultos repreensíveis.
Afinal, os quatro juntos não conseguem criar a pobre Maisie. A maioria das cenas consiste em mostrar o pai, a mãe, o padrasto e a madrasta em discussões calorosas sobre quem vai pegar a garota na escola, quem vai cuidar da menina nos fins de semana. Maisie entra e sai de táxis, entra e sai de prédios diferentes. A garota fica perplexa: afinal, os quatro parecem gostar muito dela, mas não uns dos outros. Acima de tudo, eles estão ocupados demais com as suas vidas profissionais, deixando a responsabilidade da paternidade e maternidade em segundo plano.
Tamanha falta de afeto poderia causar alguma consequência nas crianças, mas Pelos Olhos de Maisie traz uma protagonista passiva. A garota observa a crise ao redor, mas não chora, não grita, não se impõe, não diz o que quer. Se ela está triste ou traumatizada, isso não é projetado em seu comportamento com os amigos ou vizinhos. Vários filmes sobre traumas infantis já exploraram bem a maneira como os conflitos são exteriorizados (das abordagens lúdicas, como O Que Eu Mais Desejo, às perversas, como Precisamos Falar Sobre o Kevin), mas este drama evita explorar as consequências da rotina conturbada na vida de Maisie.
Talvez para não julgar ninguém, o roteiro prefere o retrato sociológico ao psicológico, mostrando maior apreciação pela bem-intencionada classe média-baixa (vide o afeto sincero da babá e do garçom) do que pela burguesia artista, orgulhosa e narcisista (como os pais, um vendedor de obras de arte e uma cantora). Depois de tantas discussões, que não evoluem ao longo de toda a narrativa, a solução apresentada nas cenas finais pode parecer corajosa ou inverossímil, dependendo do ponto de vista, mas pelo menos consegue interromper o ritmo linear da história.
Pelos Olhos de Maisie conclui sua narrativa em tom agridoce, adotando pela primeira vez um recurso um pouco mais açucarado (a câmera lenta e a trilha sonora em volume alto), mas pelo menos retratando a protagonista sozinha em uma imagem, sem depender da presença dos adultos. Esta decisão de passar o bastão à própria Maisie, como uma confiança no amadurecimento da garota, é uma boa surpresa para uma produção que se conduziu, até os momentos finais, de modo tão belo quanto frio.