Zona de conflitos
por Lucas SalgadoPoucos diretores filmam tão bem e de forma tão suave quanto Zhang Yimou. O cineasta chinês possui uma sensibilidade artística que o diferencia e que foi fundamental para fazer de obras como Herói e O Clã das Adagas Voadoras algo maior do que simples filmes de artes marciais. Em seus dois últimos trabalhos, ele deixou de lado as espadas e os magníficos saltos para tratar de belos dramas. Primeiro veio o romance A Árvore do Amor, que infelizmente não obteve o reconhecimento merecido, talvez por não trazer nenhum grande nome no elenco. E agora é a vez de Flores do Oriente, que conta com a presença de ninguém menos que Christian Bale, ator que caminha muitíssimo bem entre blockbusters (Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge) e longas com uma vertente mais artística (O Vencedor, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante).
O novo filme ainda possui um mérito com relação à A Árvore do Amor, que é o fato de não trazer uma narrativa tão presa ao formato literário, e também por não abusar das técnicas de fade out e fade in. Flores do Oriente retrata a história do agente funerário John Miller, que tem a obrigação de enterrar um padre em plena China tomada pelos japoneses. Ao chegar à igreja, ele se depara com várias jovens meninas que estudavam no convento. Inicialmente, se mantém afastado delas, procurando apenas aproveitar do (pouco) conforto e das muitas garrafas de vinho disponíveis. A rotina do grupo é abalada em pouco tempo com a chegada de prostitutas em busca de refúgio. Apesar de trazer várias intrigas dentre os presentes na igreja, o filme logo mostra que os vilões principais estão do lado de fora.
Durante a Segunda Guerra Mundial, sem a mesma atenção por parte do mundo, ocorreu uma grande batalha entre China e Japão, com o segundo país invadindo o primeiro. Tal conflito é até hoje lembrado na China e a rivalidade com o Japão ainda é um pouco acirrada, afinal os chineses não aceitam a forma como os japoneses trataram suas cidades e seu povo. E o filme retrata justamente este ponto de vista, contando com eventuais heróis chineses e com um exército de vilões japoneses. Disfarçados com a tradicional honra nipônica, os soldados inimigos são vistos como assassinos frios e gananciosos, e que não pensam duas vezes antes de matar ou violentar uma mulher, independente de ser apenas uma criança ou de estar dentro de uma igreja.
Por ser um conflito muito distante de nossa realidade, é difícil julgar a autenticidade, mas é importante ressaltar que por mais vilanescos que sejam os japoneses, eles não caem em nenhum momento numa caricatura superficial.
Orçado em US$ 90 milhões, um valor impressionante para uma produção da China, o longa conta com um elenco em total sintonia. Bale mostra mais uma vez por que é um dos principais nomes do cinema norte-americano. O restante da equipe é quase em sua totalidade oriental, com exceção para Paul Schneider (Água para Elefantes), que tem uma participação rápida e pouco importante, que serve apenas para comprovar o que já vinha sendo visto em cena, ou seja, a transição do personagem principal.
Adaptação de livro de Geling Yan, Flores do Oriente apresenta uma bela direção de fotografia de Zhao Xiaoding, que já havia feito belos trabalhos em longas de Yimou, com destaque para A Maldição da Flor Dourada. Ele presta muita atenção nos detalhes e realiza sempre que possível jogos de cores que despertam o interesse do espectador. Neste sentido, o figurino criado por William Chang e Graciela Mazón também chama atenção, principalmente quando as roupas coloridas das prostitutas são colocadas em contraponto às sóbrias vestes do convento. Yang Xiaohai se sai bem no desenvolvimento da maquiagem, principalmente no momento em que as técnicas de agente funerário do protagonista são exigidas.
O filme emociona, mas por mais paradoxal que possa parecer, peca por uma certa frieza, que nasce de uma montagem muito tradicional (careta, até) de Meng Peicong. Detalhes à parte, trata-se de mais uma bela obra de Zhang Yimou.