Remake é uma aula de adaptação, sem o charme do original
por Renato HermsdorffComo é sabido, Hollywood é uma indústria de entretenimento. Não só “uma”, mas a maior. Como consequência, muitas vezes, gera produções em massa, enquadradas em fórmulas, que resultam pasteurizadas. Como consequência (2), não é surpresa que os executivos queiram dar cor local (leia norte-americana) a experiências (produções) bem-sucedidas de outros países. É uma aposta que, como tal, pode funcionar ou não. O resultado depende do ponto de vista.
Até demorou para que a “Indústria” fizesse uma versão de O Segredo dos Seus Olhos, o (não é exagero dizer) unânime filme de 2009 escrito e dirigido por Juan José Campanella, Oscar de melhor longa-metragem estrangeiro. E o resultado é Olhos da Justiça que, guardadas as devidas proporções, é uma aula de adaptação – mais uma vez: para os padrões norte-americanos (o tal ponto de vista).
Por “proporções”, portanto, entenda basicamente as especificidades da sociedade dos EUA e, nesse sentido, Hollywood entrega um filme que, embora artisticamente aquém da obra na qual é inspirada (por sua vez, baseada no livro de Eduardo Sacheri) – é preciso dizer –, consegue transpor com competência os elementos culturais da Argentina ditatorial dos anos 1970 para a paranoia norte-americana pós 11 de setembro. E, claro, não espere um filme “político”, o foco, aqui, é um drama pessoal, como “eles” gostam de explorar.
Para quem não se lembra – ou não viu –, em O Segredo dos Seus Olhos, Ricardo Darín interpreta um homem recém aposentado do cargo de oficial de justiça que, com bastante tempo livre, se dedica a escrever um livro baseado no estupro e assassinato ocorrido em 1974 da esposa de Ricardo Morales (Pablo Rago). Decidido a encontrar o culpado, ele conta com a ajuda de um amigo, Pablo Sandoval (Guillermo Francella) e da ex-chefe Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil), por quem nutre uma paixão reprimida.
No remake escrito e dirigido por Billy Ray (mais conhecido por seu trabalho como roteirista, por filmes como Jogos Vorazes e Capitão Phillips), a transição temporal se dá entre a o atentado contra os prédios do World Trade Center em 2001 e os dias atuais. Investigador da seção antiterrorismo do FBI, Chiwetel Ejiofor assume o papel que coube a Darín; seu “parceiro” é Jess (Julia Roberts), parte direta envolvida na principal trama do filme, uma vez que é a filha dela a personagem brutalmente assassinada (foco no drama pessoal). E Nicole Kidman interpreta a chefe direta da equipe. Treze anos após o crime, Ray (Chiwetel) continua buscando pistas e finalmente parece ter encontrado um caminho para solucionar o caso.
São criativas, portanto, as soluções encontradas por Billy Ray para trazer esse ambiente para a “América” e o novo filme é um thriller que prende o espectador, mas cujo fim, por outro lado, não justifica o meio (o original ficou marcado por uma virada ao final da narrativa, estrutura que o novo filme repete, mas que não convém ser dissecada aqui, a fim de não revelar spoiler).
Apoiado na reunião de um elenco estelar, completado por Dean Norris (Breaking Bad), Michael Kelly (House of Cards) – ambos cabeludos nas cenas do passado – e Alfred Molina, o grande destaque é mesmo Julia Roberts. Desde Álbum de Família e The Normal Heart, a atriz vem encarando papéis livre de vaidade e deixando emergir o processo de atuação em si. Descontada uma aplicação de Botox aqui, outra ali, ela assume o ganho de idade – e valoriza a própria experiência acumulada – com decência e o tom de sua Jess, brincalhona, desesperada e calejada (nessa ordem) é um ótimo exemplo do quanto a atriz evoluiu artisticamente.
O que conta contra Os Olhos, ironicamente, é o fato de O Segredo existir. Sem o charme ou a poesia que tornam o predecessor um filme excepcional, em comparação, além de direcionar o espectador forçosamente para uma pista errada (“o fim não justifica o meio”), falta química na relação reprimida dos personagens de Ejiofor e Kidman – é protocolar, “pasteurizada”.
Mas, apesar das falhas, Olhos da Justiça não é meramente uma cópia de O Segredo dos Seus Olhos. E, aos olhos do público norte-americano, é, sim, uma aula de adaptação.