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    Angry Birds - O Filme
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Angry Birds - O Filme

    A comédia da colonização

    por Bruno Carmelo

    Como transformar um jogo tão simples quanto Angry Birds em filme? Este era um grande desafio aos produtores e roteiristas, já que não existe uma narrativa propriamente dita no material original. Como em todos os jogos, a ideia consiste na interatividade: lançam-se os pássaros no ar para destruírem os porcos e suas casas, recuperando os ovos roubados. Embora existam tipos de pássaros diferentes, a premissa não se desenvolve, nem seria essa a intenção, afinal, o jogo proporciona uma distração rápida e fácil.

    A versão cinematográfica investe na personalidade de cada pássaro, em especial a ave vermelha, Red. Deixando a destruição de casas e porcos em segundo plano, cria-se uma história de origem, algo pertinente a um produto com claras intenções de se tornar uma franquia. O espectador descobre que os pássaros sofrem de tipos distintos, e bem amplos, de raiva: Red é mal-humorado por ser órfão e ter sofrido bullying na infância, o amarelo Chuck é hiperativo e ansioso, o grande Bomba é tímido e explode apenas quando pego de surpresa. Na verdade, todos esses pássaros são doentes no sentido clínico do termo, encontrando-se numa sessão de terapia coletiva.

    O roteiro extrai a maior parte de suas piadas do estilo de cada personagem. O humor é insistente, em ritmo frenético, com uma piada a cada 30 segundos. Para incluir tantos momentos cômicos, qualquer recurso é permitido: humor físico, escatologia, trocadilhos, referências cinematográficas (O Iluminado em especial), fofura de pássaros filhotes, enquadramentos curiosos, cores berrantes e improváveis, montagem ágil, canções inesperadas (como uma nova versão de “I Will Survive”).

    Talvez desde Shrek uma comédia não tenha se esforçado tanto para agradar e arrancar risos. Não existem aqui momentos de suspense e de descanso, como nos filmes da Laika (Coraline, ParaNorman), nem instantes dramáticos e reflexivos como nos filmes da Pixar (Divertida Mente, Wall-E). Enquanto o jogo implica uma total atividade e controle dos personagens, o filme investe na passividade do público: resta ao espectador se sentar e absorver a avalanche de estímulos, coroados pelo 3D eficaz e ostensivo.

    A produção deve cativar as crianças da geração de smartphones e redes sociais, com sua imagem veloz, inconsequente, substituível. Já os adultos podem ficar um pouco cansados do ritmo intenso que, por não trazer variações, pode gerar impressão de monotonia - especialmente quando começa a esperada guerra contra os porcos, com os estilingues e casas suspensas. Neste instante, a câmera se move para todos os lados, a trilha sonora toma conta de cada cena, os efeitos sonoros produzem todos os ruídos possíveis. Essa é uma diversão cinética em sua máxima expressão.

    O aspecto mais interessante do filme, no entanto, é a relação estabelecida entre os pássaros, habitantes da ilha, e os porcos invasores. Enquanto os protagonistas vivem em liberdade, numa dinâmica comunitária e não competitiva, os porcos chegam em barcos de alta tecnologia, oferecendo pequenas máquinas e objetos de além-mar para conquistar os moradores locais. Não é difícil perceber na trama uma história de colonização, pertinente tanto aos americanos em relação aos ingleses, quanto aos brasileiros com a invasão portuguesa. Os pássaros assemelham-se aos índios, invadidos e ameaçados - afinal, roubam-se os ovos, ou seja, os filhotes que garantiriam o futuro da espécie - enquanto os porcos são os colonizadores com intenções de lucro e roubo dos bens alheios. Nada mau para uma animação infantil.

    Atenção, possíveis spoilers a seguir!

    Mesmo assim, a guerra é asséptica e sem mortes. Ninguém morre realmente: como nos desenhos dos Looney Tunes, em que os personagens caem de penhascos e se levantam levemente doloridos, em Angry Birds os pássaros são lançados mas não se ferem, são explodidos e aparecem chamuscados na cena seguinte, enquanto os porcos caem de grandes casas e quebram apenas alguns dentes. O jogo original fazia da morte um elemento indispensável - sem o extermínio total do inimigo, não se passa de fase - mas o jogo prefere a lógica amena do humor inconsequente. Muitas animações, da Disney principalmente, aprenderam a lidar com a morte, mas este filme não consegue mostrar nem uma perda sequer, com medo de gerar momentos indesejados de drama. A única morte, ausente das imagens, é a perda dos pais de Red.

    Talvez por representar tão bem a velocidade e descartabilidade das imagens no século XXI, Angry Birds deve obter um grande sucesso nas bilheterias, e também na venda de bonecos, jogos, peças de roupa e demais produtos derivados. É um produto eficaz em sua insistência: são tantos alvos que em alguns momentos ele inevitavelmente acerta a mira. O elemento mais inteligente do filme, entretanto, permanece a representação perversa do conflito entre invasores e invadidos, entre a natureza (a ilha dos pássaros) e a intervenção da modernidade (a tecnologia dos porcos).

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