Jogo de sombras
por Lucas SalgadoA animação começa e nos deparamos com uma fachada de um cinema fechado, quase destruído. Não há vida ali, mas de cara o cinéfilo de carteirinha cria uma relação de cumplicidade com o filme. Afinal, sente-se a perda de um cinema. A partir daí, somos convidados a entrar no processo de criação de histórias por parte de um garoto, uma garota e um senhor.
O local guarda um segredo, que é uma máquina em que as pessoas inserem suas histórias e são jogadas para dentro de um universo misterioso e fantasioso. Trata-se de um jogo claro e até simplório de metalinguagem, com a máquina funcionando como uma espécie de projetor, mas ainda assim este jogo é tratado de forma delicada pelo diretor Michel Ocelot.
A partir daí, Contos da Noite é praticamente um filme de episódios, com os dois garotos se "jogando" em uma série de situações românticas e aventurosas.
Nem todos os "capítulos" funcionam bem, mas o longa tem a capacidade de agradar adultos e crianças. Mesmo deixando a ação de lado, a obra investe no lúdico como forma de prender o interesse. E consegue. Temos histórias de lobisomem, magos, garota que vira corvo e por aí vai.
Ainda que peque um pouco na falta de ritmo, uma absurdo para um filme com menos de uma hora e meia de duração, a produção tem como principal qualidade o desenho de produção. A animação é belíssima, mas o que rouba a cena é justamente o contraste entre os cenários e os personagens. Enquanto temos ambientes detalhados e muito coloridos, nos deparamos com personagens basicamente pretos, variando apenas os olhos e os traços do figurino. Trata-se de uma referência clara ao cinema clássico e à ideia de "jogo de sombras".
Para quem está mais do que acostumado com animações americanas que valorizam mais o lado estético do que o conteúdo, é um prazer considerável conferir uma obra como esta, realizada na França, em que a simplicidade funciona como diferencial e a história, ainda que esquemática, ganhe força ao fomentar nossa imaginação.