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    Segredos de Sangue
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Segredos de Sangue

    Morte na cabeça

    por Bruno Carmelo

    Desde os primeiros segundos de Segredos de Sangue, o espectador pode perceber que este não é um típico suspense de Hollywood. As imagens às vezes são congeladas na tela, os letreiros aparecem de maneira desordenada, a narradora pronuncia frases que parecem não fazer sentido – pelo menos no início da história. Existe um clima sinistro, mas nenhuma informação é apresentada de modo convencional. Mesmo a morte do pai, elemento que dá início à trama, é representada apenas pelo som da colisão de um veículo, enquanto o título aparece na tela, escrito à mão.

    Este início belíssimo já é capaz de despertar a atenção por sua criatividade, mas o que se segue é um desfile gótico onde nenhum enquadramento, som ou luz se parece com qualquer outra produção de grandes estúdios. Em sua estreia nos Estados Unidos, o prodígio sul-coreano Park Chan-wook conseguiu imprimir o seu estilo singular, algo nada fácil dentro do rígido sistema de produção americano. Ele talvez tenha feito uma única concessão, importante: reduzir a violência explícita, traço de suas produções coreanas. Mas o desafio de fazer um filme obcecado pela morte sem mostrá-la de perto levou o diretor a usar todos os seus recursos de maneira inteligente.

    O resultado são diversas câmeras na mão durante um funeral – ótimo o momento em que India (Mia Wasikowska) e Charlie (Matthew Goode) encontram-se pela primeira vez – movimentos circulares em torno da mesa durante uma cena de jantar, diálogos entre pessoas em dois cômodos, filmadas do corredor, e diversas metáforas envolvendo ovos, sapatos, aranhas, sorvetes, lápis, pianos, vasos de flores, pedaços de carne, pedras, escorregadores, cintos e muitos outros elementos. Não existe aleatoriedade neste universo sombrio, claustrofóbico, abertamente irreal e simbólico.

    Alfred Hitchcock é sem dúvida a maior inspiração do cineasta, que inclui os coques no cabelo de Um Corpo Que Cai, cenas no chuveiro que remetem a Psicose, e a própria presença do tio Charlie, muito semelhante ao Charlie de A Sombra de uma Dúvida. Mas enquanto o cineasta britânico criava uma atmosfera de suspense permanente, despertando o interesse sobre o que viria na sequência, o coreano privilegia o desenvolvimento, e não a revelação final. Embora a conclusão seja excelente, o maior interesse vem da convivência estranhíssima entre uma mãe sedutora (Nicole Kidman), uma filha em pleno despertar da sexualidade e um belo tio disposto a suprir a carência afetiva das duas.

    Os atores se saem muito bem em seus papéis, mas a grande surpresa vem mesmo de Mia Wasikowska. Depois de decepcionar em Alice no País das Maravilhas e Albert Nobbs, a garota encontra o tom perfeito no papel de India, esta personagem formidável, quieta mas nunca passiva, imatura mas nunca ingênua. A atriz consegue evitar os exageros nas cenas envolvendo sensações extremas, como assassinatos, orgasmos e descoberta de cadáveres. Ela rouba a cena ao lado de Nicole Kidman (que pelo menos se entrega sem pudores à personagem, interpretada como uma patricinha enlouquecida, de olhos sempre avermelhados) e de Matthew Goode (caprichando no sorriso charmoso e sotaque americano).

    Segredos de Sangue chegou a despertar algumas críticas negativas, sugerindo que o filme teria muito estilo para pouca substância, ou então que o diretor teria feito de si mesmo o personagem principal, ao invés de seus atores. Talvez este seja apenas o incômodo positivo de uma plateia muito acostumada com os códigos dos suspenses hollywoodianos, repletos de sustos a cada esquina, trilha sonora redundante e cenas escuras. Park Chan-Wook força o espectador a ver o medo durante o dia, a enxergar o perigo em um tio segurando um par de tesouras, o erotismo em uma (magnífica) cena com o tio e a sobrinha tocando piano juntos, a perda da inocência em uma imagem de India experimentando duas bolas de sorvete, em silêncio, após descobrir um cadáver no congelador.

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