Até quando?
por Renato HermsdorffÉ possível notar todo um cuidado técnico por trás da cinematografia deste O Protetor, desde sequências inteiras que partem de detalhes (um objeto na parede, por exemplo), à preocupação com o foco como recurso dramatúrgico, incluindo enquadramentos nada óbvios. Mérito do diretor, Antoine Fuqua, que já havia trabalhado com Denzel Washington no papel que rendeu o Oscar ao ator, por Dia de Treinamento.
Do ponto de vista da trama, no entanto, não é nada que difira muito de outras histórias de justiceiros – a reboque do próprio Batman –, o que traz uma sensação de mais do mesmo. Robert McCall (Washington) é o tipo que deixa os bandidos amarrados na cena do crime de bandeja para a polícia recolher.
Denzel é experiente, mas todo o papo de Oscar, estimulado pela retomada da parceria de sucesso entre ator e diretor, não se justifica no novo filme que, embora o traga em um registro sutil como o discreto ex-agente que troca o trabalho oficial de combate ao crime por uma vida pacata mas não deixa de fazer justiça com as próprias mãos, falta o fator “uau” à interpretação do galã de outrora.
O Protetor é baseado na série de televisão The Equalizer (título original do filme), sucesso dos anos 1980 nos Estados Unidos. McCall é o homem misterioso que, na calada da noite, não deixa barato quando algum mal é cometido contra aqueles que estão ao seu redor.
Talvez pelas décadas que separam a produção da TV da adaptação para o cinema, alguns aspectos soam um tanto quanto datados no novo formato da história. McCall é uma espécie de MacGyver (outro seriado de sucesso na época), no sentido em que resolve qualquer parada, por mais difícil que pareça. No início do filme ele põe, sozinho, uma turma de bandidos para beijar o chão, sem nem amarrotar a camisa - e ele planeja a duração da ação e a cronometra, para comparar os tempos, cena que, por ser uma das poucas em que o filme não se leva à sério, é até divertida. Os bandidos são russos e o vilão-mor, que faz cara de vilão (com a boca arqueada para baixo), ainda por cima é todo tatuado, rabiscado com imagens de demônios e caveiras. Que ano é hoje?
Ao contrário do agente Angus MacGyver, no entanto, que não usava nenhuma arma (mas era capaz de escapar de Alcatraz com um clipe de papel e um elástico de cabelo), Robert McCall não hesita em fazer seu adversário sangrar (imagine um saca-rolhas atravessando a mandíbula de alguém do alto do pescoço até ficar aparente na boca). E o filme é bem violento.
A atriz de 17 anos Chloë Grace Moretz faz uma participação como um prostituta, maltratada pela máfia, que frequenta o mesmo café que o nosso herói metódico. É, até, uma escolha ousada, escalar para o papel uma menina tão nova, apesar da extensa carreira, com mais de 20 filmes nas costas. Por outro lado, ela guarda uma ingenuidade que é difícil de se levar em conta quanto se considera os percalços conhecidos da profissão mais antiga do mundo.
No fim, a origem de O Protetor parece um caprichado piloto de série. E talvez seja. Os estúdios já deram sinal verde para a primeira sequência do filme. A produção deixa gancho. Mas é preciso ir além dos clichês.
Filme visto no 39º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2014