Uma mensagem de tolerância
por Francisco RussoComo Treinar o seu Dragão conquistou o público com uma bela mensagem de tolerância, sobre a convivência pacífica entre humanos e dragões, aliada à sensível abordagem sobre deficiência física, que atinge ambas as espécies. Tudo isto embalado numa roupagem caprichada da DreamWorks, com várias cenas de ação e uma animação de qualidade. Em Como Treinar o seu Dragão 2, a proposta é investir no que deu certo no filme original e ampliá-lo ainda mais. Tudo é maior: os desafios, os confrontos e, é claro, os dragões. Mas a essência permanece lá: a mensagem de tolerância, que permite que humanos e dragões superem as antigas desavenças e convivam pacificamente.
A história do novo filme se passa cinco anos após o original, quando a paz está instalada no vilarejo de Berk. Soluço (voz de Jay Baruchel) e seus amigos estão maiores, na pré-adolescência, e os hormônios começam a entrar em ebulição. Entretanto, há algo desconhecido lá fora e, desbravador, Soluço não demora muito para partir ao lado de seu fiel parceiro Banguela. Juntos, eles encontram um santuário de dragões, muitos deles desconhecidos até então, assim como reencontram alguém inusitado: Valka (voz de Cate Blanchett, ótima), a mãe do jovem.
Até então, Como Treinar o Seu Dragão 2 investe firme no carisma de Banguela e em seu relacionamento com Soluço, ressaltando o lado de ser um dragão “domesticado”, o que provoca a imediata identificação com animais de estimação. A apresentação de uma nova personagem vinda do passado do protagonista segue a fórmula básica das sequências (Shrek 2 fez o mesmo, ao focar a família de Fiona) e o filme conta com impressionantes cenas de voo, cuja emoção é ampliada pela qualidade do efeito 3D. Há ainda boas piadas visuais e a bela sacada da escalação de Kit Harington como dublador de Eret, trazendo uma imediata associação ao seu personagem na série Game of Thrones e também aos suspiros que desperta no público feminino, algo que é explorado na própria história. Entretanto, o longa-metragem apenas consegue subir um degrau e alcançar o grau de excelência quando enfrenta, com coragem, um tema complicado para filmes voltados para crianças: a morte.
Há em Como Treinar o Seu Dragão 2 uma cena dolorosa e surpreendente, que altera toda a dinâmica do filme. Pelo grau do sacrifício feito, os personagens se tornam menores diante do que o longa-metragem realmente deseja abordar: a tolerância. Mais do que lutar contra um inimigo poderoso, é este o real duelo enfrentado por Soluço e amigos: a permanência de uma vida em harmonia, onde dragões e humanos possam conviver em paz. O mundo dos sonhos que, para ser alcançado, é preciso ser conquistado – um paradoxo contraditório muito bem explorado pelo roteiro do também diretor Dean DeBlois.
O ar apoteótico que se segue oferece ao espectador variadas doses de batalhas intensas, ora cômicas ora dramáticas, que impressionam. O tema da deficiência, tão forte no primeiro filme, ressurge em dose homeopática, mas suficiente para mais uma vez emocionar. Diante deste panorama, Como Treinar o Seu Dragão 2 consegue algo raro na seara nas sequências: superar o original, com sobras. O resultado é um filme fascinante, pelo carisma dos personagens e a coragem no desenvolvimento da história, que chama ainda a atenção pela intensa ligação existente entre Soluço e Banguela, cuja complexidade emocional apenas aqueles que têm um animal de estimação conseguirão compreender em sua plenitude. Excelente filme, um dos melhores lançados em 2014.