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    O Estranho Caso de Angélica
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Estranho Caso de Angélica

    Para cinéfilos

    por Bruno Carmelo

    Hoje em dia, é quase impossível encontrar uma crítica sobre um filme de Manoel de Oliveira que não mencione, desde as primeiras linhas, a idade do cineasta. Todos se espantam com o fato que ele ainda dirija filmes, escreva e esteja presente a cada produção. Por causa da idade, cada novo filme é visto como um fenômeno, e também como um testamento, por ser possivelmente o último. Assim, qualquer referência à morte ou ao cinema – temas que ele aborda há décadas – parecem ganhar um significado mais profundo, um valor inestimável aos adoradores do cinema de autor.

    Neste contexto, me parece justo afirmar que Manoel de Oliveira tem sido apreciado acima de tudo pelo fato de estar vivo. Mais do que um artista, ele é louvado de maneira paternalista por fazer aquilo que julgam que ele não deveria estar fazendo: trabalhando, criando. Entretanto, seria mais importante pensar em O Estranho Caso de Angélica pelo filme que ele é, independente de seu criador. Antes de ser “o novo filme de Oliveira”, ele é uma obra de arte autônoma, com uma estética, uma narrativa e um ponto de vista. No caso, a história gira em torno da morte de uma jovem garota, Angélica (Pilar López de Ayala). Um fotógrafo (Ricardo Trepa) é chamado para fotografar o cadáver, mas ele tem impressão de ver a falecida se mexer, com o espírito saindo do corpo. Obcecado por estas imagens, o homem torna-se tão submisso quanto apaixonado pela aparição.

    O estilo adotado pelo cineasta remete ao primeiro cinema mudo, com seus efeitos visuais simples, baseados em trucagens mecânicas e sobreposições. Georges Méliès vem à mente diante da imagem de Angélica voando, ou da garota abraçada com seu amado, flutuando pelos ares. O tom é voluntariamente amoroso, ingênuo, nostálgico. Paralelamente, os atores adotam uma postura rígida e teatral, declamando frases explicativas em enquadramentos fixos e abertos. Seria exagerado dizer que O Estranho Caso de Angélica tenta reproduzir o cinema dos anos 1910, mas ele é impregnado por essa ideia de pureza antiga. Enquanto alguns veteranos preferem adotar a modernidade, explorando o 3D (como Jean-Luc Godard) ou os efeitos de montagem acelerados (como Alain Resnais), Oliveira retorna aos primeiros passos do cinema.

    Talvez o maior interesse deste filme seja a ideia da verdade revelada pela arte. Outros filmes contemporâneos também trabalham com este conceito (na franquia de terror Atividade Paranormal, os espíritos exibicionistas aparecem apenas para câmeras estáticas), mas a obra portuguesa prefere representar tanto o espírito quanto o amor dos personagens através das fotografias do protagonista. Sugere-se que apenas a arte revela a verdade, e que a fotografia é capaz de captar mais do que o olho humano poderia ver. Duas noções de “alma” se confundem: a alma do indivíduo, que se desprende de seu corpo, e a alma do cinema, superior à sua materialidade. Existe algo além dos corpos, além da película, que seria uma verdade transcendental, religiosa e cultuada pelo filme.

    Somados, estes elementos compõem um coquetel irresistível aos cinéfilos mais românticos. A metalinguagem, a referência ao cinema antigo, o amor ao cinema, o tema da morte, a nobreza das produções antigas: tudo está em seu devido lugar, com suas referências adequadas, para serem percebidas pelos raros conhecedores da história do cinema. Manoel de Oliveira não vai conquistar nenhum novo fã com esse filme, mas essa não é a intenção: o cineasta ofereceu mais um indício de sua longevidade, ofereceu mais uma prova de amor à arte a pessoas que amam a arte.

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