Sangue, suor e lágrimas
por Bruno CarmeloO lançamento desta produção francesa no Brasil surpreende: como vender uma extensa biografia sobre Claude François, cantor quase desconhecido por nossas terras? A primeira solução foi este atalho do título, que descreve o artista como o "mito" por trás da canção My Way, tentando seduzir os fãs de Frank Sinatra. Mas será que esta música tem tanto apelo assim? Talvez a maior justificativa tenha sido o fato de que o filme segue o retrato padrão e romantizado dos artistas que "têm muito talento porque sofreram muito e amaram demais". E essa idealização é universal.
Neste sentido, pouco importa se você não conhece Claude François, nem suas versões francesas de sucessos americanos dos anos 1960-70. Do nascimento à morte, você vai acompanhar a trajetória típica de um garoto mal amado pelo pai, sufocado de amores pela mãe, que amou muito as mulheres, mas não conseguiu ser fiel a nenhuma delas. O diretor Florent Emilio Siri inicia seu filme com o artista em meio à multidão, com lantejoulas digitais acrescentadas sobre sua figura. Nisto, o título brasileiro tinha razão: ele é de fato abordado como um mito, uma ilusão.
My Way, o Mito Além da Música é a típica biografia que se preocupa muito mais com o biografado do que com o próprio cinema. Apesar da curta vida do cantor, o diretor decidiu contar todos os detalhes, em intermináveis 2h30, repetindo dezenas de vezes a mesma ciranda de ações: novas mulheres, novas fãs histéricas gritando, novas crises com a mãe, novo medo de perder a fama. O diretor adora as câmeras lentas, os reflexos e brilhos da fotografia, a expressão sofrida e infantilóide de Jérémie Renier.
Um problema encontra-se no fato de esta ser a típica biografia feita por um fã, sem o menor recuo em relação ao seu objeto de estudo. Pior do que isso, ela é mesmo desonesta, por esconder alguns fatos negativos sobre a vida do cantor – como o falso desmaio nos palcos, calculado para aumentar sua popularidade, algo que a história mostra como um desmaio natural. Esta teria sido uma condição dos produtores, que por acaso são os filhos do cantor, preocupadíssimos com a imagem do pai. Mas aceitar estes termos implica acatar com uma desonestidade desde o início.
Se a parte ética já é questionável, a estética é ainda pior: My Way, o Mito Além da Música não perde para as piores telenovelas mexicanas em termos de dramaturgia excessivamente catártica e melodramática. As cores são saturadas (temos a impressão de uma longa propaganda de sabão em pó), o artista é filmado com uma aura de luz divina e suas emoções nunca são mornas. Claude François não tem pequenas dores, nem pequenas felicidades: ou ele está tristíssimo, urrando de desespero, ou absolutamente eufórico. Este filme é feito de exagero, de lágrimas, sangue e suor – vide a ridícula cena em que o cantor bate em um tambor até as palmas da mão sangrarem, enquanto grita em câmera lenta.
Parece que a grande preocupação dos produtores foi em obter uma obra de dimensões impressionantes – nem filmes épicos de Hollywood têm tantos figurantes, ou tantas imagens em gruas quanto este aqui -, deixando ao retrato do cantor apenas uma admiração banal, infantil e ideológica. É uma pena ver atores talentosos quanto Jérémie Renier ou Benoît Magimel dirigidos como marionetes, exagerados ao extremo, perdidos nesta ilusão inocente da representação de um ídolo.