VERSÃO MELHORADA
por Lucas SalgadoUm projeto como Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres é sempre muito questionado, afinal trata-se da refilmagem de uma produção lançada em 2009. Por isso, já nasce com a seguinte dúvida: deveria ter sido feito? E a resposta é uma só: sim.
Essencialmente, sou contra remakes, mas não há porque repelir uma nova versão que venha para aprimorar a história e levá-la a um maior número de pessoas, ainda mais quando esta é comandada por um sujeito tão competente quando David Fincher. Pra quem não sabe, é o cara por trás de Seven - Os Sete Crimes Capitais, Clube da Luta e Zodíaco. Quando a refilmagem foi anunciada, muitos temeram por uma americanização da trama e dos personagens. Se você pensou isso, você não conhece David Fincher.
O The Girl with the Dragon Tattoo americano é tão pesado quanto a versão sueca, não aliviando em nada nas cenas de violência física e sexual. Além disso, é ainda mais "abusado" nas sequências de sexo, mostrando uma entrega impressionante da atriz Rooney Mara. Ela, por sinal, se sai tão bem quanto Noomi Rapace na pele de Lisbeth Salander, e ainda leva um pouco de vantagem ao receber uma personagem um pouco mais complexa e interessante. Até por sua estrutura física, Mara vive uma mulher mais frágil que a de Noomi, mas isso não significa em nenhum momento perda de força ou de presença em cena. Recebeu justamente uma indicação ao Oscar pela performance.
As diferenças entre as duas produções ficam evidentes já nos créditos iniciais. Enquanto que o filme da Suécia mostra uma silenciosa cena de tribunal, o dos EUA apresenta uma abertura estilizada ao som da versão de Trent Reznor e Karen O. para "Immigrant Song", do Led Zeppelin. Premiado pelo trabalho em A Rede Social (também de Fincher), Reznor fez uma trilha extraordinária para este novo projeto, indo particularmente bem nos momentos tensos vividos pelos protagonistas.
Apesar de possuir muitos fãs, o sueco Os Homens que Não Amavam as Mulheres conta com falhas gritantes de desenvolvimento da narrativa. Peca no excesso de flashbacks e deixa de lado a linha investigativa que é o mais interessante na história criada por Stieg Larsson. O longa de David Fincher tem apenas seis minutos a mais de duração do que o original, mas é impossível não notar como apresenta uma trama muito mais abrangente e detalhada em um tempo melhor distribuído.
O cinema norte-americano muitas vezes é julgado como sendo uma coisa só, então recebe estereótipos que, na verdade, deveriam ser apontados para diretores e produções específicas. Quem estava achando que a história seria suavizada irá se surpreender muito. Fincher não só é muito mais talentoso do que Niels Arden Oplev, como também é bem mais radical e corajoso. No sueco, quando Lisbeth faz uma tatuagem em determinada pessoa, o diretor opta pela utilização de uma câmera lenta para registrar o impacto sofrido, enquanto que o americano é mais cru e, até por isso, mais forte. O mesmo se pode dizer de uma importante cena de sexo, que é inserida num quarto escuro no original e aqui é vista com todos os detalhes em um ambiente iluminado.
Falando em iluminação, a fotografia de Jeff Cronenweth é merecedora de aplausos. Ela retrata toda a frieza do norte da Suécia e não se esconde na escuridão como único elemento na construção do suspense. Por sinal, um confronto importante que acontece na trama é realizado em um quarto claro.
Como disse, o novo filme privilegia o lado investigativo, o que pode ser visto na maior presença da personagem Anita em cena. O desfecho das investigações é melhor elaborado, enquanto que um golpe presente na história é muito, mas muito mais bem construído. Enquanto que no original nos deparamos com o golpe relegado a pouquíssimos minutos antes dos créditos finais, aqui temos um sucessão de ações que vai desencadear no mesmo.
Outro mérito de Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres foi a excelente seleção do elenco. Embora, Mara e Rapace entreguem performances semelhantes - no que diz respeito à qualidade - todos os outros nomes da equipe norte-americana se saem melhor. O receio de que Daniel Craig pudesse interpretar um Mikael Blomkvist sexy demais, felizmente, não se comprovou. O intérprete do James Bond está muito bem no papel de jornalista que é chamado por um milionário para solucionar um desaparecimento de décadas. Ele está menos deslocado no papel do que Michael Nyqvist e constrói alguns elementos de identificação interessantes, como os óculos sempre presos de forma estranha e largada no pescoço.
Como era de se esperar, o veterano Christopher Plummer rouba quase todas as cenas em que aparece. O eterno capitão Von Trapp (A Noviça Rebelde) interpreta o tal milionário, Henrik Vanger, e passa para o espectador todo o sofrimento de um tio que é privado da convivência da querida sobrinha. Stellan Skarsgard também está bem no papel de Harold.
Um dos personagens mais beneficiados com a nova versão da história foi o tutor Nils Bjurman, que no sueco era nada mais que uma caricatura vivida por Peter Andersson. Aqui, temos Yorick van Wageningen interpretando um sujeito duro e explorador, mas ao seu modo, mais frágil e menos vilanesco.
O original perdia muito tempo voltando às infâncias de Lisbeth Salander e Michael Nyqvist, e isso não acontece na produção mais recente. Como é importante, é provável que a juventude da heroína seja retratada nas possíveis continuações. Embora Fincher não esteja confirmado na direção, Mara e Craig já possuem contrato para atuarem nas versões hollywoodianas de A Menina que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar.
Como possui muitas cenas iguais ao sueco, em alguns momentos pode sim deixar a dúvida se este era um filme que merecia ou deveria ser realizado. Mas a verdade, deixando de lado todas as ressalvas sobre refilmagens em geral, é que muito do feito pelo cineasta colabora para tornar esta nova versão mais significativa, impactante e interessante, isso sem falar no lado estético, afinal se sobressai nos quesitos maquiagem, figurino e design de produção.
O final é muito melhor, com a resolução não "caindo do céu" e deixando de lado o clima de conto de fadas em que tudo da certo e fica às mil maravilhas. A única ressalva fica para a cena final, que vai de encontro à construção da personagem.