Filme-paisagem
por Bruno CarmeloO imaginário do Oriente nas mentalidades ocidentais parece não ter evoluído muito. Ainda persiste esse certo fetiche pelo exotismo dos desertos, pelas mulheres tão maquiadas quanto cobertas, pela religião islâmica que parece tanto defender quanto atacar a violência. Se a Rússia e os países da ex-União Soviética servem como simbologia do inimigo desde a Segunda Guerra Mundial, o Oriente Médio e a Índia servem como símbolo de lugares para serem vistos, apreciados, mas sem interesse maior do que aquele despertado por um cartão postal.
O Príncipe de Deserto é, de certo modo, o exemplo perfeito do filme-paisagem. Querendo ser o Lawrence da Arábia do século XXI, ele dá uma atualizada na história (sai o conflito durante a guerra, entra a disputa pelo petróleo), mas mantém os elementos centrais de um filme deste tipo: tradição, honra, amor, lealdade e outros grandes valores que parecem ainda mais admiráveis porque estão muito distantes do consumismo e individualismo ocidentais. Os filósofos sempre avisaram: só se admira com fervor aquilo que não se conhece.
Pois esse Oriente imaginário está repleto de alguns dos atores carimbados como produtos para exportação: Freida Pinto, com sua sensualidade empacotada para os olhares ocidentais desde Quem Quer Ser um Milionário?, Antonio Banderas, que parece transitar entre o latino e o árabe com a mesma facilidade e o mesmo sotaque forte (uma espécie de estrangeirismo universal), e agora Tahar Rahim, franco-magrebino revelado por O Profeta e que interpreta praticamente o papel da produção francesa, apesar da nova nacionalidade catariana que lhe é atribuída.
Não vale muito a pena detalhar a trama, ela pode ser facilmente deduzida por quem já viu uns dois ou três épicos no deserto. Basta dizer que ela segue as lutas entre grupos inimigos pelo petróleo, envolvendo sempre a honra familiar, com direito a princesas virginais presas no alto de castelos, homens fracos de corpo, mas fortes de caráter, e muitos outros repletos de músculos e de caráter duvidoso. Freida Pinto faz voz de criança enquanto Antonio Banderas adota um ar canastrão típico de bandidos de desenho animado – provavelmente seguindo as instruções do diretor.
Seria meio absurdo reclamar da falta de realismo nesta trama que pretende dialogar apenas com o imaginário. O fato é que, com todos seus absurdos e romantismos, O Príncipe do Deserto cumpre com exatidão a sua cartilha de filme épico, com mocinho, bandido e donzela indefesa nas areias do deserto. Os milhões gastos pela produção podem ser vistos na tela, o esforço para tornar cada cena impactante também é notável.
O diretor Jean-Jacques Annaud emprega o widescreen, a tela bem retangular, que permite acomodar ainda mais camelos, mais figurantes, mais raios do sol, mais quilômetros de horizonte. Ele não pretende refletir sobre seu tema, não pretende persuadir, apenas impactar, cumprir o mínimo sindical para o gênero – algo como um terço de cenas de ação, um terço de contemplação do cenário paradisíaco, um terço de cenas de amor.
Talvez aí resida o maior mérito e a maior decepção de O Príncipe do Deserto: o fato de ele trazer exatamente o que se espera de um filme do gênero, sem uma vírgula a mais, nem uma vírgula a menos. A única pequena surpresa talvez venha do roteiro que, embora caminhe rumo a uma moral tradicional (do tipo "a ganância é ruim, só o amor salva"), acaba por abraçar o capitalismo, e dizer que o enriquecimento é, sim, muito bom para as nações e, consequentemente, para as pessoas também. Nada muito chocante, visto que o produtor é o riquíssimo e petroleiro Qatar.