A guerra desinteressada
por Bruno CarmeloAlguns anos atrás, o diretor Hou Hsiao Hsien surpreendeu quando anunciou sua decisão de fazer um grande filme de artes marciais. Conhecido pelos dramas realistas, o cineasta não parecia ter afinidade com os códigos específicos do cinema de gênero. Por isso mesmo o resultado, bastante diferente da média das produções com esta temática, deslumbrou alguns espectadores e decepcionou tantos outros durante o festival de Cannes.
A estética adotada é o maior motivo de interesse. Usando imagem de proporções próximas ao quadrado (1,37 : 1), o diretor evita a imersão do espectador. Hsiao-Hsien mantém seus costumeiros planos longos sem cortes, vistos com distanciamento, com direito a silêncios, hesitações, desconfortos. Como estamos no século VIII, os figurinos rebuscados condizem com a nobreza da época, mas são usados de maneira realista, em luz natural ou com auxílio de acessórios analógicos.
O resultado é um estranhamento – voluntário sem dúvida. Para um filme de artes marciais, o ritmo é lento, as lutas têm coreografia simples, as atuações são pouco expressivas. Diz-se que algumas produções de época são “de encher os olhos”, no sentido de saturação, de representação do excesso e do luxo. Por associação, A Assassina seria um filme “de esvaziar os olhos”, reduzindo a trama ao mínimo necessário, deixando informações essenciais insinuadas. Oferece-se uma mesma imagem durante tanto tempo que o espectador tem a possibilidade de buscar detalhes, refletir sobre os sentidos, caminhar rumo à abstração.
A consequência destas escolhas é uma narrativa dilatada e lacônica. Sabe-se pouco sobre os personagens, conhece-se apenas detalhes de suas motivações. O filme não é afeito a psicologismos: os personagens agem de maneira mecânica, enquanto seus desejos e amores ficam ausentes ao público. Paira uma sensação de monotonia, sendo difícil se importar com a galeria de personagens herméticos.
A própria assassina, Yin-niang (Shu Qi), deveria viver um conflito intenso por ser obrigada a matar o próprio primo, por quem está apaixonada, mas não se percebe paixão na mise en scène. Do mesmo modo, a sangrenta guerra entre a Corte e os Weibo é apenas sugerida em diálogos proferidos por maridos e esposas dentro de seus quartos. Hou Hsiao-Hsien faz da batalha algo ao mesmo tempo frio e íntimo, porque não investiga a subjetividade das ações, mas se concentra nos indivíduos ao invés da sociedade.
O próprio espetáculo visual proposto pelo cineasta possui limitações. Basicamente, acrescentam-se filtros naturais às imagens: a câmera filma um casal através de cortinas transparentes, entre galhos de árvores, por trás de uma neblina azulada ou de uma fumaça espessa. É uma escolha simples, um tanto cafona no caso das sobreposições de cortinas dentro dos aposentos. A busca por um estilo minimalista desperta interesse ao projeto como um todo, mas A Assassina pode cativar mais por razões conceituais, ou seja, pela representação diferente da média, do que pelos méritos da execução.