Eddie Redmayne é o cara, ou melhor, 'a' cara
por Renato HermsdorffEm O Discurso do Rei, Colin Firth interpreta um gago. Ok, ele é o rei George 'Bertie' VI da Inglaterra. Mas tem dificuldades na fala. E o filme de Tom Hooper reforça o tempo inteiro que esse cara é gago. A impressão que fica é que toda a ação gira em torno de mostrar que o personagem é... gago.
Em A Garota Dinamarquesa, Eddie Redmayne interpreta alguém que não se vê no corpo de um homem. Ok, ele é Einar Wegener, um pintor dinamarquês, casado, de relativo sucesso. Mas quer assumir sua identidade feminina. E o novo filme do mesmo Hopper reforça o tempo inteiro que esse cara... quer ser uma menina.
Cá, assim como lá, a nova produção do diretor britânico sofre do mesmo problema, o "monotema", como se não houvesse outras nuances na condição humana.
Então, basta que Einar se depare com uma peça do vestuário feminino para que o cineasta dedique uma boa parte das duas horas de projeção para focar, no detalhe, o toque dos dedos do personagem no tecido delicado. É um caminho óbvio que diminui o impacto da obra.
Por outro lado, o trabalho do ator – do andar feminino à fala que dispensa a apelação do falsete – confere ao filme a sutileza que falta no roteiro de Lucinda Coxon e na direção. Em um curto espaço de tempo, Redmayne interpretou papéis marcantes, para o bem (A Teoria de Tudo, que lhe rendeu o Oscar) ou para o mal (O Destino de Júpiter, que quase lhe tirou a estatueta). Mas os varre para o fundo da memória do espectador com essa performance estonteante.
Casado com a também pintora Gerda (Alicia Vikander, em um registro apenas protocolar), Einar Mogens Wegener foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de gênero no mundo e se tornou (se permitiu a ser) Lili Elbe. Isso na década de 1920.
Com duas notas, maestro, é possível perceber o tom do que vem por aí. Os primeiros acordes do piano melódico que introduz os créditos de abertura do filme já indicam que vem aí um melodrama daqueles. Como de costume na filmografia de Hooper, a trilha é mais do que excessiva, como se o espectador não tivesse as ferramentas para decidir sozinho em que momento deve rir ou chorar. E, no fim das contas, não têm mesmo. Hooper subestima a inteligência de seu público.
Tem o clichê do passeio com o cachorrinho no parque para mostrar que o casal é feliz junto, no início do filme; tem cena de choro na chuva, lá pela metade, para indicar que nem tudo vai bem no reino da Dinamarca. Cada plano é bonito demais, com certeza, mas verossímil de menos. Um cinema asséptico.
No entanto, ainda em comparação (tratam-se duas cinebiografias “oscarizáveis” comandadas pelo mesmo diretor), The Danish Girl (no original) é um trabalho um pouco mais arriscado do que The King Speech. Isso pela falta de pudor nas cenas de nudez, afinal, estamos falando de um time "a-list" na Hollywood de hoje em dia. E com Eddie Redmayne.
Filme visto no 40º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2015.