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    A Invenção de Hugo Cabret
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    A Invenção de Hugo Cabret

    OBRIGADO, SCORSESE!

    por Lucas Salgado

    No livro de entrevistas "Conversas com Scorsese", de Richard Schickel, Martin Scorsese revela certo incômodo quando é apontado como diretor de filmes de gângsteres, afinal realizou muitas obras que não encaixam no gênero, como Alice Não Mora Mais Aqui, New York, New York, O Aviador e muitas outras. Mas nem ele é capaz de negar que a infinita maioria de suas produções possuem temas adultos. Incomodada com o fato, a esposa do cineasta sugeriu que ele fizesse um longa que sua filha de 12 anos pudesse assistir, tendo em vista que a jovem ainda não pode chegar perto de Taxi Driver, Touro Indomável e companhia. Daí nasceu A Invenção de Hugo Cabret.

    O longa é absolutamente encantador, sendo atrativo para todos os públicos. Uma de suas características mais importantes é a multiplicidade de gêneros. É difícil enquadrar Hugo em um simples segmento cinematográfico. O filme é, ao mesmo tempo, aventura, fantasia, ação, comédia, romance, drama, ficção científica e, até, documentário. E todos os gêneros funcionam numa harmonia impressionante, fruto de uma direção talentosíssima de Scorsese e de uma edição bem trabalhada de Thelma Schoonmaker, parceira de longa data do cineasta.

    Adaptação de livro homônimo de Brian Selznick, o filme chegou ao Brasil uma semana depois de O Artista. Podemos dizer que este último, que é mudo e em preto e branco, é uma carta de amor ao cinema clássico. Pois bem, Scorsese foi ainda mais longe e bolou uma carta de agradecimento. Ele, e qualquer cineasta um pouco mais inteirado sobre a origem da sétima arte, sabe que George Méliès foi fundamental para o desenvolvimento do cinema como contador de histórias. Por isso, resolveu traçar aqui algumas linhas para mostrar sua gratidão.

    Hugo ainda é responsável pela correção de um equívoco histórico. Assim como consideram os irmãos Wright os precursores do avião, os americanos apontam Thomas Edison como o sujeito responsável pela invenção do cinema. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas chegou ao ponto de comemorar os 100 anos da sétima arte na cerimônia do Oscar de 1991, enquanto que o resto do mundo celebrou a data quatro anos depois, em 1995. Aqui, o longa diz com todas as letras: os irmãos Lumière inventaram o cinema em 1895. É claro que esta nunca foi uma discussão muito séria, mas não deixa de ser significativo um dos maiores nomes da cinematografia norte-americana defender tal posição.

    Ainda sobre a "invenção do cinema", o filme pode ser visto como uma ótima oportunidade para as pessoas descobrirem um pouco mais sobre a mesma. Mesmo fazendo uma série de liberdades poéticas na construção da figura de Méliès, a produção traz não apenas regravações de suas obras, mas também imagens originais de clássicos como Viagem à Lua. Também pode ser visto na íntegra A Chegada do Trem na Estação, de Auguste e Louis Lumière, que foi o primeiro filme exibido para uma plateia em 6 de janeiro de 1896.

    Existe muita nostalgia em A Invenção de Hugo Cabret, mas é muito mais do que apenas o retrato de um acontecimento. Traz uma trama nova e especial sobre a jornada de duas crianças. Hugo Cabret (Asa Butterfield) é um órfão que vive escondido na estação de trem de Paris. Ele junta peças variadas para tentar consertar um robô quebrado, deixado por seu pai (Jude Law). Um dia, ele conhece Isabelle (Chloe Moretz), que passa a ajudá-lo.

    Butterfield, que já havia se destacado em O Menino do Pijama Listrado, faz um trabalho ainda mais impressionante, auxiliado bastante por seus expressivos olhos azuis. Já Moretz, apenas ratifica o talento que tínhamos visto em Kick Ass - Quebrando Tudo e Deixe-me Entrar. O elenco conta ainda com as presenças de Ben Kingsley (sempre ótimo), Sacha Baron Cohen, Christopher Lee, Emily Mortimer e Helen McCrory.

    Reminiscências à parte, a relação entre Hugo e Isabelle é o ponto alto da produção. A amizade dos dois é construída de forma delicada e sensível, sem precisar em momento algum sugerir um sentimento que fosse além do companheirismo e da solidariedade. Eles se dão as mãos em vários momentos da história e em todos é possível se emocionar com a genuinidade do ato.

    Três vezes vencedor do Oscar, Howard Shore faz um trabalho memorável. Sua trilha sonora é bela e dá bem o tom nostálgico e contemplativo da obra. Ele é auxiliado por um visual deslumbrante. Design de produção, figurino, maquiagem, direção de arte, efeitos especiais, tudo mantém um nível de excelência durante os 126 minutos de duração.

    Também merece destaque a utilização do 3D. Apaixonado por cinema, o diretor jamais aceitaria operar seu filme através de uma conversão para o formato e, por isso, optou por rodá-lo inteiramente com câmeras 3D. O resultado é belíssimo e não irá decepcionar o público. A noção de profundidade e a precisão dos objetos que voam ao seu encontro são dignas de aplauso. James Cameron assistiu ao longa e afirmou que este é o melhor 3D já visto nas telonas, superando inclusive o seu Avatar. E é isso mesmo, o formato gera uma experiência fenomenal ao espectador.

    Recordista em indicações ao Oscar 2012, concorrendo em 11 categorias, o longa foi escrito por John Logan (Gladiador) a partir da obra de Selznick, que é sobrinho neto de David O. Selznick, produtor de ...E o Vento Levou.

    Como disse acima, Hugo é uma carta de agradecimento de Scorsese a George Méliès, Auguste Lumière, Louis Lumière e todos aqueles que foram responsáveis não apenas pela criação do cinema, mas principalmente por torná-lo o que é hoje. Não se trata do melhor longa do cineasta nova-iorquino, mas não deixa de ser uma grande oportunidade para agradecer também àquele que há mais de cinco décadas vem contribuindo para fomentar a paixão de muitos pela sétima arte. Assim, resta dizer: obrigado, Scorsese!

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