MORNO & TEMPERADO
por Roberto CunhaA diretora, produtora e roteirista Nora Ephron conquistou uma legião de fãs ao brindar o cinema com Mensagem para Você e promover Tom Hanks e Meg Ryan ao posto de casal queridinho do cinema na época. Mas de lá para cá muita coisa rolou e seu nome, embora comentado aqui e ali, não deu aquela decolada. Agora, Ephron, que não obteve sucesso com A Feiticeira em 2005, está de volta ao gênero suave que a consagrou e com um roteiro inteligente conseguiu, a partir de dois livros e duas histórias reais, contar Julie & Julia.
Assim, você vai conhecer duas mulheres com nomes parecidos, igualmente apaixonadas por manteiga e "perdidas" na vida, mas salvas pelo amor a culinária. Uma (Julia) era casada com um diplomata, se apaixonou pela França e tornou-se uma chef de sucesso. A outra (Julie), uma escritora frustrada, que trabalhava numa central de apoio às vítimas do ataque de 11 de setembro, mas a sintonia com "a cozinha" de Julia transformou-se em obsessão de preparar as 524 receitas da mestre cuca em 365 dias. E o que pode parecer uma ideia lélé da cuca transformou-se num longa interessante, que fala, entre outras coisas, do antigo machismo e do novo mulheres no poder. E o roteiro, por exemplo, explorou bem a questão do tempo que as separa, pontuando as diferenças como os apetrechos na cozinha (centrífuga X máquina manual) ou o ato de escrever (máquina X notebook) e, curioso, serve para mostrar que a modernidade mudou muita coisa, mas o prazer de comer continua o mesmo. Destaque para a necessidade e constatação que para ser alguém (na rede mundial) tem que ser "comentado".
Julie & Julia fala da importância de se ter objetivos na vida, de perseverar, de mulheres obstinadas e apresenta em seu cardápio dois "doces" maridos que apoiaram, quase que incondicionalmente, suas esposas nas confusões que temperaram suas respectivas histórias. Entre os ingredientes da receita de Ephron para mover o filme adiante, as passagens de tempo são vitais e muito bem realizadas, transitando com facilidade entre passado e presente sem deixar "queimar" a paciência do espectador. A trilha sonora é coerente com os "tempos" dos personagens e tem até Talking Heads. O longa é, acima de tudo, uma declaração de amor à arte de cozinhar. Ou, se preferir, um verdadeiro 'food movie', fazendo uso de um neologismo barato e importado. Tem pitadas de humor e pequenas doses de drama pessoais suficientes, apenas, para conferir um temperinho a mais nas protagonistas, mas nada que passe do ponto. É um filme morno, agradável de se ver e escorado nas boas atuações de Amy Adams e Meryl Streep, impagável com seu sotaque franco-americano. Bon appétit! Quer dizer, boa sessão!