Duas caras
por Francisco RussoApesar de ser uma das maiores produtoras de cinema de atualidade, a Índia jamais teve uma exibição contínua de seus filmes no Brasil. Alguns apareciam em festivais, outros na TV a cabo e olhe lá. A distribuidora Bollywood Filmes resolveu investir para alterar este quadro, trazendo ao país filmes que possam popularizar a cultura indiana de fazer cinema. O escolhido para dar início a este processo é Fanaa, longa-metragem que reúne algumas características bem tradicionais de Bollywood e também aponta um caminho até então pouco conhecido por aqui.
Curiosamente, Fanaa possui duas metades bem distintas. A primeira é o típico cinema indiano já conhecido: repleto de canções, frases de efeito com lições de moral embutidas, uma certa dose de patriotismo e muita, mas muita ingenuidade mesmo. Afinal de contas, o que dizer de uma história que traz uma jovem cega do interior que, ao visitar a capital, acaba se apaixonando por um guia turístico galanteador, que usa poesia barata como cantada? Ela, é claro, se apaixona perdidamente – não sem antes lhe dar um sermão sobre a importância do trabalho e consultar os pais para saber o que eles acham.
Com uma boa dose de dramaticidade exagerada e diálogos bem ruins – "gostaria que fizesse de mim um suéter e me usasse", diz o galã -, a primeira fase de Fanaa lembra muito o formato de uma telenovela mexicana. Há os personagens cômicos, Cartoon Network e o senhor Fabuloso, que têm como único motivo entreter o público por alguns minutos. Há o núcleo jovem, as parentes de Zooni (Kajol), que tentam avisá-la do risco de se envolver emocionalmente. Há a versão indiana do Crô, personagem de Marcelo Serrado na novela Fina Estampa, que se humilha para agradar sua deusa. Há o galã (Aamir Khan), que desfila sua canastrice através de olhares insinuantes e mensagens do tipo "quero ser ainda mais atrevido" – um meio para driblar a proibição do beijo, presente em boa parte dos filmes indianos. E, é claro, há uma trilha sonora altamente manipuladora, capaz de mudar drasticamente em questão de segundos apenas para acompanhar uma alteração emocional em algum personagem ou na história.
A segunda metade de Fanaa é quase um recomeço para o filme. Após uma virada um tanto brusca, saem de cena as canções e a alegria e ganham espaço a ação e o lado político. Tudo porque Rehan, o galã pelo qual Zooni se apaixonou, é também um terrorista que luta pela independência do território da Caxemira, dividido entre Índia e Paquistão. Hora de dar espaço a este alter ego do personagem, com direito a explosões e perseguição de helicóptero. Algo surpreendente em se falando de cinema indiano, tão famoso por se ater apenas aos musicais em seus filmes.
O aumento da dramaticidade e a inclusão do conflito entre idealismo e questões pessoais, sem falar na ameaça terrorista em si, fazem com que Fanaa cresça substancialmente em sua segunda metade. Há ainda uma certa ingenuidade e alguns defeitos especiais, mas estes se tornam menores diante do grau atingido pela história. Entretanto, o desnível entre as duas partes e sua longa duração – quase duas horas e meia - acabam prejudicando bastante. O resultado é um filme até interessante, pela mescla do tradicional com o novo dentro do cinema indiano, mas cansativo.