A dificuldade de partir
por Bruno CarmeloCom o fracasso de Rocky V, a franquia parecia terminada de vez. No entanto, dezesseis anos mais tarde, Sylvester Stallone decidiu retomar a história para propor um encerramento à narrativa, ao mesmo tempo em que atualizava a franquia para a realidade cinematográfica do século XXI. Rocky Balboa nasce do desejo simétrico de olhar para o passado no que diz respeito à trama, enquanto mira o futuro em termos de construção imagética.
Quem assistir a este filme pode não reconhecer os anteriores: agora, a câmera está livre, trêmula, enquanto a fotografia exagera no contraste e na saturação, deixando as imagens granuladas e coloridas ao mesmo tempo. Os recursos cafonas dos anos 1980 foram abandonados, e Stallone decidiu fazer o novo Rocky nos moldes de uma produção indie atual, com alguns preciosismos estéticos embalando a ode aos marginais, aos tristes e deslocados socialmente. Este é um projeto típico dos moldes Sundance, ao invés das grandes produções de estúdio das quais o ator costuma participar.
O roteiro faz questão de amarrar todas as pontas soltas até então, multiplicando referências: a tartaruga de estimação cresceu, os socos são treinados mais uma vez com carne de boi dentro de um açougue, toma-se ovo cru para dar força ao treino. A franquia inteira carrega um germe de saudosismo, mas o sexto filme, concebido para encerrar a história do boxeador, passa por todas as lembranças como se estivesse folheando um álbum de retratos.
Rocky, agora, está ultrapassado, assim como a questão da honra no boxe. Os jovens lutam apenas pelos holofotes (como o antigo Apollo Creed), para aparecer na televisão. Cria-se um embate entre essência e aparência, assim como nas duas primeiras produções da saga, colocando o protagonista do lado da experiência real (pé no chão, ele comanda um pequeno restaurante italiano) enquanto os novos lutadores são amantes da tecnologia e do glamour.
Rocky nunca pareceu tanto um caipira, um homem deslocado não apenas no esporte contemporâneo, mas na sociedade de modo geral. Ele foi esquecido, ultrapassado, tornando-se um símbolo, uma lenda – algo que pode ser tão elogioso quanto frustrante. Rocky Balboa trabalha muito bem a ambiguidade entre o orgulho do passado e a tristeza de se descobrir menos relevante no presente. A ciranda dos solitários é completada pela relação do protagonista com o filho (Milo Ventimiglia, nas cenas mais bruscas e dramaticamente fracas do filme) e com uma mãe solteira, Marie (Geraldine Hughes), espécie de alter-ego da falecida Adrian.
O sexto episódio da franquia parece um belo filme de fantasmas: ele é lento, contemplativo, extremamente afetivo, mas sem deixar de ser uma obra cinematográfica dos nossos tempos. A conclusão, excelente, amarra todas as seis obras de maneira cíclica, como se uma jornada tivesse chegado ao fim. Esta é a melhor experiência de Stallone na direção, e também uma conclusão digna para a trajetória do azarão que nunca deixou de ser um homem frágil, carente, mais apegado à família e aos amigos do que à fama.