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    A Favorita
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    A Favorita

    As feras do palácio

    por Bruno Carmelo

    Enquanto filme de época, baseado em fatos, A Favorita traz todo o esplendor visual esperado de uma produção do gênero: os figurinos e acessórios são deslumbrantes, as locações transmitem a opulência da corte inglesa do século XVIII, a iluminação trata de acentuar os contrastes da luz do dia, entrando pelas janelas sem clarear por completo os imensos cômodos ornados em madeira. Para quem estiver buscando o retrato do luxo e a fidelidade aos modos, nomes e dados, o projeto dirigido por Yorgos Lanthimos terá cumprido o seu papel. Este é um de seus principais valores: honrar o período histórico a que se refere, mesmo diante de uma história absurda.

    No entanto, o espectador pode perceber algo estranho neste retrato. A direção de fotografia utiliza lentes grande-angulares extremas, de modo a causar distorções próximas do efeito do olho mágico das portas. Os nobres se divertem com coelhos e patos correndo pelos suntuosos corredores, enquanto as carcaças de animais se empilham sobre as mesas do jantar. Quando conversam, ao invés do linguajar polido conveniente à etiqueta, proferem insultos e vulgaridades. Em outras palavras, este filme retrata o luxo de modo crítico, sem aderir ao mesmo. A vida de privilégios não é apresentada ao espectador de maneira desejável, e sim como uma configuração grotesca e artificial.

    Artificiais, aliás, são as relações e os arranjos feitos dentro do palácio. Passado na maior parte do tempo nos cômodos e jardins, A Favorita aborda um universo-bolha no qual a rainha Anne (Olivia Colman) decide os rumos do país e as circunstâncias da guerra sem ter a mínima ideia do que ocorre nos campos de batalha. Paralelamente, os nobres desconhecem as vontades do povo e suas dificuldades diárias. Para eles, as decisões se tornam questão de caprichos ou favores: decreta-se o aumento de impostos para irritar algum oponente, mantém-se a guerra porque um conselheiro acredita que seria uma boa escolha. O drama funciona como impecável representação da alienação dos ricos.

    O trio de atrizes se delicia com as rivalidades da corte. Sarah Churchill (Rachel Weisz) e Abigail Masham (Emma Stone), primas e rivais na disputa pela atenção da rainha, oscilam entre a ternura e a agressividade, a amizade e a manipulação. O roteiro fornece amplo desenvolvimento para as três protagonistas, com direito a nuances que as atrizes captam com destreza – em especial Colman, que faz milagres mesmo limitada a uma cadeira de rodas, arrastada pelos labirínticos corredores do palácio. O filme estabelece certo parentesco com Ligações Perigosas, nos quais a sedução constitui a principal arma de manipulação entre os poderosos, com o diferencial de que aqui ninguém se aproveita dos outros pelo simples fato de poder fazê-lo: todas as mulheres têm algo a ganhar, política e socialmente, com o uso de sua malícia e seus corpos. O jogo, neste caso, não é mera questão de vaidade.

    No terço final, o roteiro se estica em excesso, perdendo sua potência quando separa Sarah e Abigail. Yorgos Lanthimos, o rei dos filmes perversos, desumanos e brutais, atenua seu niilismo em prol de uma abordagem ainda cínica, mas de tom predominantemente melancólico. Depois de tanto fel, a última parte minimiza as experiências de câmera, troca a trilha sonora assustadora por dedilhados clássicos ao piano, substitui os diálogos sarcásticos por silêncios. O final anticlimático pode ter sido escolhido para fugir às conclusões clássicas, evitando desenhar uma recompensa exata para cada personagem (é um alívio terminar um drama histórico sem os habituais letreiros explicativos). A Favorita se encerra menos feroz do que começou, e também menos divertido. Mas talvez nesta concessão se encontre o humanismo necessário para abordar um episódio real de modo crítico, porém respeitoso.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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    Comentários

    • Ricardo da Mata
      Muito bem colocado.
    • Ricardo da Mata
      Exatamente. O público e a crítica perderam o padrão completamente.
    • Ricardo da Mata
      Lixo de filme sem classe para pessoas sem classe.
    • Ana lima
      Horrível, fiquei com raiva por perder tempo assistindo
    • Fábio
      Filmaço.
    • Fábio
      Colcha de retalhos?? Como assim? O filme amarra bem os acontecimentos. Não achei confuso. Os trabalhos anteriores desse diretor geralmente confundem mesmo a nossa cabeça, mas A Favorita é tudo bem mastigado.
    • Fábio
      Também estou na mesma. Comecei a acompanhar esse diretor com The Lobster. Em relação à A Favorita, concordo que existam menos metáforas ou elas são muito mais óbvias que os trabalhos anteriores dele. De qualquer forma, achei o filme muito bom mesmo.
    • Marcelo Alves Viana
      mo bosta esse filme , sem pé nem kbça o final rsrs não gostei
    • Maria C
      Filme deprimente que nunca mais quero ver.
    • dugabowski
      O que tem que ver comunismo com o filme? Que obsessão. Freud explica...
    • Jackson Lovato
      O filme é ótimo em vários quesitos: fotografia com aquelas lentes angulares, figurino e seus belíssimos acessórios, os locais de filmagens e também pelo elenco que não deixa a desejar. Apesar de uma boa atuação de Oliveia Colman, no papel da rainha, ela fica mais para uma coadjuvante ante as atuações de Emma Stone e Rachel Weisz, sendo que a estatueta poderia ter saído pra alguma dessas últimas!
    • Sérgio Still
      Não curti o filme, somente as atuações.
    • Indianara Auane
      O figurino está muito bem feito, as atuações estão muito boas, mas achei o enredo fraco e deixou a desejar. Ficou faltando alguma coisa nesse filme. Como expectadora eu achei o enredo fraco, não se sustenta para um filme tal longo.
    • Douglas R.
      Bom filme, mas paro por aqui, pois há crítico especialista de comentários na área...
    • Lucas F
      Mas não é porque o cara faz filmes que são diferentões que ele fez A favorita ser mediano, como deu a entender. Ele pode, como.diretor, mudar seu estilo. Por que nao?
    • Lucas F
      Desconexo? Oi?
    • Lucas F
      Emma Sstone atuou mais que Colman? Em que mundo? E o filme é isso tudo sim
    • Lucas F
      Sensacional tua crítica. Não o conhecia, mas conseguiu fazer uma leitura fora da caixinha, com um ceticismo grande. É um filme totalmente inovador, que tem competência em todas as áreas e ainda foge, como tu mesmo disse, de um final clichê e destinado. Ao lado de Roma, favoritaço ao Oscar. Pra mim fica Roma x A favorita, talvez se juntando a Green Book ou Infiltrado na klan
    • Julia
      Que filme maravilhoso! Incrível como Yorgos consegue abordar um filme de época sem entrar nos detalhes da época, focando inteiramente na trama. Simplesmente maravilhoso! Leiam esse texto que revela um pouco mais sobre o filme: medium. com/ @thecinebuzzstop/ um-roteiro-impecável-e-favorito-ao-oscar-ad14fc91456
    • intervoices
      Um filme que todo comunista deve assistir. Expõe a relação entre 3 lésbicas: Rainha, mimada, inútil e incapaz de tomar qualquer iniciativa. Parasita. 2 espertalhonas, que percebem sua fragilidade ( sexo, incapacidade ) para usufruirem do poder. Se você é comunista, vale a pena.
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